sexta-feira, 25 de julho de 2014

A EPISCOPISA

Sarah Esther, de tanto ler livros abençoados sobre blindagem – de casamento à bolsa, da vagina ao cabelo –, decidiu abrir uma empresa de blindagem de automóveis.
Atendia de traficante a deputado e todos os níveis entre estas duas classes.
Sarah Esther, mulher virtuosa, pagava religiosamente o seu dízimo e, como manda a promessa, prosperou.
Mas Sarah Esther tinha um sonho secreto que no fundo do seu íntimo era uma opala ungida que iluminava a sua vida, refletindo, multicor, a Graça de Deus: desejava ser Bispa. Para tanto, na necessidade de realizar-se tão simples sonho, bastava que casasse com um Bispo.
O Bispo em questão era todo o afã.
Ora, como casar com um Bispo se todos são, por definição Pastores de grau elevado, e para ser Pastor é obrigatório o matrimônio, consequentemente o caminho fácil estava selado.
Mas o caminho para o Céu é a via das pedras. 
Eis a sua glória!
Com suas pretensões bem definidas, partiu Sarah Esther para a conquista. Como uma pessoa pia há de perceber, para uma mulher com todas as virtudes de Sarah Esther noivos e pretendentes não faltavam. Mas nenhum deles não interessavam a Sarah Esther, não cheiravam a Bispo, não emanavam a ungidura de Deus!
Então Sarah Esther, mulher de justo juízo, empreendeu a produção de um Bispo por sua própria conta.
Sábia e diligente, a futura Bispa começou a participar mais e observar melhor as aulas de Teologia da Igreja, onde jovens, por três anos, aprendiam dogmas, decoravam a Bíblia, conheciam as correntes teóricas das várias vertentes do Protesto: de Lutero a Calvino, e todos os níveis de pentecostalismo – do velho e do novo – existente.
Lá conheceu Messias Moisés! Que nome mais abençoado que esse? Era fraco em calvinismo mas uma máquina de citar versos! Dizia o Gênesis, o Êxodus, o Levítico, o Deuteronômio, Jó, os Salmos, os Provérbios, Eclesiastes, os Evangelhos de Mateus e Marcos, os Atos dos Apóstolos, as cartas de Paulo, o magnífico Paulo: aos Romanos, sobretudo aos Romanos, as duas cartas aos Coríntios, a segunda aos Tessalonicenses; e cerca de metade do Apocalipse; tudo isso como quem lê uma página invisível diante dos olhos. 
Era uma bênção!
Messias Moisés ainda orgulhava-se de seus fortes testemunhos: Deus curara-o do vício em crack e em sodomia.
Era o mesmo que achar!
Era dar-lhe um prédio e teria um templo cheio: estava ali tudo desenhado na sua frente, era seguir os passos certos e ungidos de todos os livros blindados que lera, ela, Sarah Esther, mulher de virtude, achara seu varão.
Um varão para chamar de seu: um Bispo.
Se não agora, era o projeto, era comprar na planta, pagar as mensais, a trimestrais e a récua ao pegar a chave do templo pronto.
Sarah Esther esforçou-se muito para seduzi-lo, se fosse outro bastaria olhar, mas este rapaz, este Messias Moisés entregara-se apenas a Deus, como seduzir alguém imune à tentação da carne?
Fez muitas promessas: de amor, de virtude, de futuro, de matrimônio feliz e de Bispado. Com o tempo e com os desenhos de seus sonhos, à vista do terreno onde ficaria a futura Catedral, as traves dos olhos de Messias Moisés caíram e estes resplandeceram em Graça! 
Deus agia!
O casamento foi feito.
Messias Moisés sagrou-se Pastor.
Sarah Esther, agora Pastora, fez aula de canto, lançou álbum de música e iniciou amizade com outras pastoras e bispas cantoras em shows.
Trocou de denominação aos mostrar seus planos às Bispas colegas. Uma prometeu-lhe o sonho conquistado.
Sarah Esther finalmente venceu.
Trouxe o banqueiro amigo seu, que de tanto blindar seus veículos, tornou-se próxima da sua esposa, para a nova Igreja. Conseguiu consigo vultuoso empréstimo e construiu.
O templo enorme, cheio de colunas e sóbrio, como uma gigantesca caixa, tão grande que Deus mesmo poderia deitar-se lá. 
E os vitrais! Ah! os vitrais ungidos. Um tão bem colocado, acima do terceiro balcão – onde ficaria o banqueiro e os demais dizimistas de primeira estirpe –, azul e branco que emitia, sobre o trono central – onde se sentaria o futuro Bispo (com a sua Bispa ao seu lado) – uma luminosidade de céu e nuvens, era como se o próprio Senhor sentasse lá.
Nada a ver comparar com igrejas ímpias projetados por ateus! Que absurdo!
E, como uma promessa de Deus, a Igreja prosperava.
A empresa de blindagem já não ia tão bem, quem se importa... agora ela era Bispa e os dízimos avultavam, e ela cantavam toda a noite, e os deputados e o banqueiro compareciam, e todas a aplaudiam e ela era satisfeita:
Sarah Ester, mulher de juízo justo, A Bispa!

E o Bispo? E Messias Moisés? Deprimido e cansado de ser segundo de sua esposa – pois ela prometera-lhe virtude e vivia no pecado da soberba, de querer estar à frente do marido – sentava-se na cadeira central, mas as luzes eram dela, sempre dela.
E o que um dia pensou Messias Moisés ao ter sido esquecido nas coxias do programa de TV em que Sarah Esther, aquela péssima cantora (quem não canta bem com quilos de eletrônica no microfone e playback?), foi apresentar-se?
E o que sentiu no dia em que a pregação de Sarah Esther, cheia de seu sonho de ser Bispa, cheia de sua vontade de prosperidade, da sua garra de vencer e sua vitória na empresa foi muito mais aplaudida que os livramentos que Deus deu-lhe!: Oh! El Shaday! Eita Glória! Amém-Aleluia! Jeová-Jiré!
Num dia, atazanado pelo Inimigo, vendeu a empresa, esvaziou a conta do Templo e fugiu com o banqueiro.

E Sarah Esther?
Diante da dura realidade, caminhou até o altar, olhou para o púlpito, sentou-se nO Trono. Sentindo toda a força do seu episcopado blindado, Sarah Esther foi afogada pela Luz de Javé, e gemeu e gozou no Seu Poder como nunca sentira com o homem.
Sarah Esther estava realizada!

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