quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

ÀS VEZES SÓ SOMEM

Eu sou só
dialogando com este caderno vazio
que boca dura!
que brancura pesada!
que palavras transparentes!

Mas não me dizem nada
estas fúrias tão invisíveis
"Nenhum dos três temos culpa"

Quem teria?

Elas não têm dono
         não devem obediência
         não fazem juízo

Às vezes elas só somem

O MEU POVO

O meu povo

os olhos tristes do meu povo
sem trabalho
sem cultura
sem educação

O meu povo
o espírito triste do meu povo
que eu encontro pelas calçadas
que eu encontro pelas sarjetas
que eu encontro pelas esmolas nossas de cada dia
                              do subemprego
                              da fome adiada
                              da vergonha degustada

O meu povo
    minha carne
    minha língua
    minha falta

O meu povo
que, para além da extensão de mim,
é o todo
do qual faço parte
               sou

O meu povo
quando sofre é
O meu corpo
com fome e fé

quando morre
cada menino preto para o Mercado (de) Negro
quando viola
cada menina pobre para a "vida"
quando cobre
cada pessoa de vergonha pelo pão

O meu povo
sou eu quem me humilha