A
arte pode e deve ser analisada a partir de 4 caminhos que poderíamos
definir em grego por estese (sensação), pathos (emoção), logos
(razão) e ethos (ideologia, ética, moral). A arte é,
fundamentalmente, estese, porque é forma, é, parafraseando Hegel,
atingir a verdade através dos sentidos. A obra de arte deve,
portanto, partir e retornar ao seu valor estético.
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Desta
maneira, as artes clássicas ou apolíneas, no dizer de Nietzsche,
buscam a sensação de beleza, isto é, harmonia e equilíbrio entre
as partes. Já as artes românticas ou dionisíacas buscam o sublime,
aquela sensação de grandiosidade, de ser maior que a vida, de
alcançar o infinito.
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A
arte “pós-moderna” (uso este termo com muita cautela e
principalmente como paralelo ao vocábulo pré-modernismo) do nosso
mundo “líquido”, como define Zygmunt Bauman, é a sensação de
choque, uma quebra, um estranhamento como afirmava Bertolt Brecht em
relação ao seu teatro épico que exigia uma participação ativa e
crítica da parte do receptor.
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O
pathos é como a forma estética nos faz sentir. Como ela nos deixa:
tristes, alegres, amedrontados, raivosos, nos causa desejo ou nojo? O
logos, por sua vez, é, como o seu derivante indica, a parte lógica,
as ligações racionais entre as partes, as referências
socioculturais, as ideias entranhadas a construção estilística
(lembrar sempre que o latim “arte” equivale ao grego “técnica”).
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As
obras sublimes produzem, em tese, os mais fortes pathos, a visão do
grandioso deixa-nos prostrados na admiração, no maravilhamento. Já
as artes do belo priorizam o logos, a força da construção.
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As
produções que se importam com o choque são extremamente
dependentes da capacidade racional dos receptores. Ora, a sua técnica
surge a partir da intertextualidade, das releituras e da
desconstrução de modelos socioculturais preestabelecidos. Daí o
choque, os elementos clássicos e tradicionais reaparecem em novo
paradigma o que nos tira de nossa zona de conforto. Por isso, o
observador casual da arte não consegue identificar este tipo de
produto como arte propriamente dita.
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Desta
maneira, apelando para a capacidade do espectador de reconstruir
logicamente todos os referenciais da obra a fim de interpretá-la, a
arte “pós-moderna” é versátil em causar aversão, irritação
e emoções análogas. Quando estes pathos são intencionais, logo
verifica-se que o autor atingiu ao seu objetivo, portanto foi
esteticamente eficaz.
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Por
fim, o ethos parece ser um elemento extra-artístico. Tomemos dois
exemplos do cinema: O nascimento de uma nação
(1915), de D. W. Griffith; e
O triunfo da vontade (1935),
de Leni Riefenstahl são duas obras-primas máximas da “sétima
arte”, tendo criado técnicas e estilos de filmagem até hoje
utilizadas e revisitadas. Porém, o primeiro filme praticamente
ressuscitou a Ku Klux Klan, sendo do mesmo ano da fundação do
segundo movimento da KKK. A
película alemã, por sua vez, idealizava e heroicizava o nazismo.
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Duas
grandes obras em técnica, em estética, emocionantes, mas,
eticamente, filosoficamente, defensoras do racismo, da intolerância
e do autoritarismo fascista. O
ethos importa sim, mas não pode prevalecer sobre o estético, pois
este elemento é o ponto de partida e de chegada de toda construção
cultural.
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A
arte que não consegue se libertar além da forma é o que chamamos
de “arte pela arte”. A arte panfletária é aquela que tenta se
segurar apenas no valor ético. A grandeza, no entanto, está em ser
emocionalmente sublime; racionalmente
belo; a forma eficientemente perfeita; e filosoficamente moralizante
e edificante.
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Moralizante
não significa moralista, as fábulas de Esopo ou D.
Quixote,
de Cervantes, são moralizantes, não moralistas. Por isso, sempre me
preocupa quando se usam valores específicos de um grupo social são
usados para julgar esteticamente uma obra ou uma exposição inteira.
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Assim
como os nazistas criaram uma
estética panfletária para apoiar sua estrutura de poder, eles
também condenaram centenas de obras, praticamente todo os movimentos
de vanguarda como degenerados e pervertidos. O argumento da
“pornografia”, “zoofilia” etc., não se sustentam muito
quando se coloca, em diacronia, toda a produção humana, seja
greco-romana, seja indiana entre outras.
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Quanto
ao argumento da “pedofilia”, se verdadeiro, seria crime (embora
este termo não seja tipificado, mas o abuso sexual infantil sim) e
apenas a obra individualmente deveria ser retirada da exposição se
comprovada a prática de abuso – ou promoção do abuso –.
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Não
sou fã da chamada arte (no meu caso, literatura) “pós-moderna”,
o limite emotivo destas produções é, ao meu ver, muito
circunscrito ao choque, enquanto sua construção artística, ao mais
das vezes, depende menos da habilidade e do aprimoramento técnico do
que da criatividade de reler, rever, desconstruir e reconstruir os
antigos paradigmas. Porém, não posso coadunar com censura
político-religiosa.
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O
julgamento estético deve ser estético, começar e terminar nele.
Pathos, logos e ethos são elementos que somam e dão profundidade e
alcance humano a uma forma. Sem
emoção, cultura e ética, a obra se torna rasa e vazia, mas sem
estética, o conteúdo é ineficiente, não causa emoção, não
transmite saber, nem edifica.
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Só
em tiranias totalitárias a perseguição à arte acontece, e, lutar
contra estes movimentos inquisitoriais é combater em prol do direito
à liberdade, é dever de todo artista e cidadão consciente, aquele
que tem dentro de si este tripé que tantas vezes já mencionei, mas
que nos é transmitido através dos sentidos. Aceitar que uma
exposição seja fechada por motivos religiosos é, por si só, um
atentado à sensibilidade, à inteligência e à cidadania de um
povo, nosso povo.
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11-12/09/2017