segunda-feira, 17 de outubro de 2022

PUGILATO

Enfrentar a vida é uma merda:
Ela é peso-pesado
Nós, quase pena!

Ela vem sempre de frente
Embora goste de golpe baixo
Evita te dar nocaute,
E vai massacrando, 
               round a round
                            Ponto a ponto
Até que a lona pareça mais leve
      Que as cordas...

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

OS BICHOS

Ontem 
no latão do pátio 
mergulhados entre 
                   os detritos 
homens
velhas 
& crianças 
que quase gente me lembram 
disputavam 
entre ratos
     e urubus 
o soldo derradeiro 
              das carcaças apodrecidas

quinta-feira, 2 de junho de 2022

ESTE CANTO

Eu canto porque
Viver é insuficiente
Sofrer, inerente
Saber disso faz doer

Eu canto mesmo porque
O ritmo alivia
A alma que tanto queria
Desaparecer

Este meu canto perdido
Revela pouquinho
             De si 
E bem de mim

domingo, 29 de maio de 2022

TRANSINSANO

          I
estou me perdendo nos montes
alvos do teu colo 
           na tua pele macia
           de madrugadas desdormidas

estou me perdendo
intransigente e solitário
busco o teu sorriso mascarado 
                          sutil mas safado
que escondes nas sombras 
                         de tuas distâncias

          II
esta noite sonhei contigo
como se pudesse desenhar no céu
de minhas memórias o véu
do teu peito

esta noite sonhei contigo
como se me cobrisse no veludo
do teu corpo que é em tudo
perfeito

esta noite sonhei contigo
e me descobri desesperado
dei-me conta que ao meu lado
há vazio leito

esta manhã desgraçada
destituída de qualquer compaixão
rasgou-me inteiro de solidão
e não deixou mais nada

          III
estou me perdendo novamente
esta noite sonhando contigo
mas é quando me jogo nestes desejos
Transinsanos
que me vejo melhor
sou teu amante 
               restante
                esperante 
sou teu incessante

não há eu
        há o verbo que se derrete
        nos Lábios teus

segunda-feira, 23 de maio de 2022

ANHANGÁ

Esta maldita que me ama
Que fode comigo,
Mas não me tira da cama.
É meu inimigo
Que minha vida reclama.

Talvez haja um dia
Que ela se esqueça de mim,
Me abandonaria
Ou me traga logo o fim
Por esta mão bem aqui.

Vem várias vezes ao ano.
Chega sem motivo. 
Vai-se embora quando quer.
Ela não se importa
Se já estou relacionado.

Quando vem dormir comigo,
Não resta tesão
Nem dentro, nem fora.
Quando me deseja,
Ela me devora.

Inimiga desalmada,
Desalmadora de corpos.
Teus caminhos, ladra,
São todos tão tortos,
São arrecifes sem portos.

Nenhuma rima lhe é dada
Todas são tomadas
Teu abraço frio
Não será cobrado
Nem é permitido.

Nestes meus versos finais
Jaz subentendido,
Um de nós não mais
Restará vencido.
Um sobrará esquecido.

CASCATA

Nunca mais
             nunca mais 
jurei a mim
            mesmo
                      jamais
me afogaria assim tão prontamente
no teu lago de mel

Mas deleal a mim
                       mesmo
a um sorriso teu
mergulho profundo sem pudor nenhum
na tua cascata de céu

Saltando de cabeça 
sem escafandro 
nem arpéu
    me banhando em ti 
          como um corcel
                     ou caxaréu 
sem vergonha alguma 
                        servo teu

De repente, 
                                 somes, 
fantasma de minhas meia-noites, 
meu                 silêncio               assustador
 
juro a mim 
           mesmo 
nunca mais 
            nunca mais 
                     jamais 

mas um assobio de longe 
                           e de joelhos 
atendo 
        ao cheiro 
do riacho teu

domingo, 27 de março de 2022

EPITÁFIO A UM LATIFUNDIÁRIO

– Ei, menino!

Teu pai foi à guerra?


– Foi, amontado!


– Em que lombo? 


– Dos homens do eito.


(Este é um poemitante, isto é, escrito concomitantemente como comentário para minha dissertação de mestrado (Descaminhos gerais: a representação do jagunço em Bernado Élis, 2011) analisando o romance O Tronco (1956), de Bernardo Élis.)

SONETO

Este é meu corpo que boia no rio.
Da vergonha que teve o meu marido
E de tudo o que em nossa cama viu.
E o olho foi do meu filho tão ferido
De ver sua mãe por vinte, por trinta
Homens tanto pecada por bandido.
E para não dizer que eu venha e minta:
Minha filha só sete anos se tinha
– É de tudo o que eu mais dentro em mim sinta –
Ela ali deflorada na cozinha,
E eu cheia-enchida desta areia-rio
→ Serviço final ← tal se enche galinha.
Este é meu corpo que boia já frio
Da dor de ser mulher num mundo vil.

(Este é um sonetomitante, isto é, escrito concomitantemente como comentário para minha dissertação de mestrado (Descaminhos gerais: a representação do jagunço em Bernado Élis, 2011) analisando o romance O Tronco (1956), de Bernardo Élis.)

O FIM DA ESCRAVIDÃO

A escravidão acabou para quem?

Para o Senhor 
            que ficou livre da senzala 
                                    do capitão do mato 
                                 e do tráfico negreiro?

Para o Estado 
            que não precisa mais fazer
Para a sociedade civil 
            que não precisa mais saber
Para a imprensa 
            que não precisa mais dizer
Ou para o povo 
            que ainda precisa viver?

A escravidão acabou para quem?

Para a multidão de corpos mortos 
            espalhados por nosso chão?
Para a multidão de mulheres violadas 
                       e de crianças orfanizadas 
                                     sem perdão?
Para as quebras de Xangô diárias 
     e de gente sem teto da multidão 
                                     sem futuro 
                                  e sem pão?

A escravidão acabou para quem?

Para meus olhos e para minha boca
acaba de novo 
       e de novo
       e de novo 
                          todos os dias
quando se fecham!

HAIKAI

A Vida é existência
            A Deusa é essência do Humano
Gente é consciência.

sábado, 19 de fevereiro de 2022

PRA PARIR-SE PRETO

Pra parir-se em pele preta
Criamos uma couraça
Com esse couro cru, curtido.

Pra parir-se em pelo crespo
Nós aceitamos ser duros
Nós, obrigados a ser.

Fazer de placas a pele
Fazer de pedras os olhos
Fazer de penas o peito.

Mas não me aceito esta sina
Pois minha pele é de poros 
Tão opacos quanto abertos 
            Como este meu Céu!