quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

SONETO

Segredo inconfessável é como balaços
De canhão. Os teus, eu não me revelo a ninguém
(Se for para morrer que seja nos teus braços).
              O olho atraiçoa quem Querer-Secreto tem:
              (O que não se diz fica bem pior guardado)
              Mas não grite pro Mundo o teu discreto alguém.
(... As madrugadas são brutas de pecado...)
Teu nome é meu sigilo, o sabor do mistério,
Assim, está velado em meu lábio selado.
              Murmuras meu dizer e eu gozo feito um ébrio:
              Quando tocamos nossas bocas só o silêncio
              Permanece suspenso no meio aéreo.
(Discreta permaneço enquanto penso,
Mas meus olhos por ti são só incêndio!)

SONETO: Deus está

Deus está quando eu amo com meu corpo
Quando até prostituo minha mente
No meu beijo ou no roubo por conforto
              Nas escolhas que eu faço, cá na gente
              Tirania que exerço ou que me exercem
              Verdade universal, boca que mente
Deus está até na Fé, no ódio que expelem
Na Caridade de Boa Vontade
Nas tuas tetas que as ondas refletem
              No lucro do patrão, na Imensidade
              Deus do suor do chão, na violência
              Na fadiga e no gozo, Claridade
Deus está até por trás da Inocência
Soma total de tudo:             Permanência

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

ALGOZ DE MIM

Eu
ladrão de tantos beijos
           dos Teus abraços
atrelado

Eu
sempre tão senhor de si
sempre
            de ciúmes perdido

Eu
de Mim tão algoz
de Ti
             tão servil

domingo, 8 de janeiro de 2017

BATMAN VS SUPERMAN: um ensaio crítico

Acabei de assistir ao Batman versus Superman: A origem da Justiça – Versão Extendida (doravante, BvS) com meus filhos. Já havia gostado da versão cinematográfica, malgrado os seus buracos narrativos (que nunca comprometiam a verossimilhança), mas a versão mais longa é excelente – o que me leva a questionar: por que a produção não permitiu que a visão do diretor seja a exibida? Se deixou passar o roteiro, deixasse passar a edição.
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1. A estrutura fragmentária das cenas
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Com o Bluray, ficou mais fácil perceber um dos problemas do filme, talvez o mais essencial, que está na direção. Snyder (Zack, o diretor) é um excepcional fotógrafo e excelente coreógrafo. Suas cenas são lindas. No entanto, faz parte de um grupo de diretores que alguns convencionam chamar de “Oners”, isto é, suas cenas têm extensão média de um minuto. Algumas, como a discussão entre Perry White (Laurence Fishburne) e Clark Kent (Henry Cavill) sobre a obrigação ideológica de um jornal impresso, cena extremamente importante para caracterização da personagem Superman (também Cavill), não deve ter durado nem 20 segundos.
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Logo, um filme de 180 minutos deveria, em tese, conter 180 cenas. Um absurdo. Na verdade, as 3 principais lutas da película que são, praticamente, consecutivas, levam em torno de 40 minutos.
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A lógica, para diminuir 30min de filme e manter por completo os combates que garantem público, é cortar 30 cenas. Todas de caracterização de personagem. As mudanças são gritantes, pois muda o sentido da narrativa. Uma personagem que vimos no cinema aparecer apenas de relance na televisão tem, pelo menos, 6 cenas, o que modifica completamente a nossa compreensão do envolvimento na trama de Lex Luthor (Jesse Eisenberg) e da Senadora Democrata June Finch do Kentucky, vivida por Holly Hunter (este dado, sozinho, possibilitaria um artigo em si).
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Como a direção é fragmentária, mais, digamos, cinematográfica, no sentido de ser construída na sala de edição, ela se desmancha, fica incompleta, na hora em que se eliminam as peças do quebra-cabeças – interessante notar que o filme anterior do Superman com Henry Cavill, dirigido por Zack Snyder, O homem de aço, beneficiou-se dos cortes, ficou mais enxuto e a narrativa limpa quando foi editado para ser passado na televisão aberta brasileira, talvez o problema do diretor/roteirista seja justamente o excesso de gordura no texto de que é autor e que falta nos seus atores –. Este tipo de disposição de diálogos que são múltiplos e com múltiplas personagens, dá a sensação de passagem de tempo, um verdadeiro mosaico de sumários – se podemos assim chamar, haja vista que, na teoria da narrativa, o sumário opõe-se à cena, isto é, o primeiro é a exposição feita pelo narrador em discurso indireto e o segundo é a expressão das personagens entre si através de diálogos em discurso direto –, que se acumulam e só, ao final, temos a sensação de personagem existente, que possui natureza, ou no dizer de Forster, cuja nomenclatura é adorada nas aulas de roteiros cinematográficos: transforma-se em personagem redonda.
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Ao contrário, uma direção, se poderíamos chamar assim, dramatizada, isto é, ao nosso ver, feita através de cenas bem mais longas, em que as personagens sentem e conversem em diálogos mais estruturados, em que o conflito aconteça em etapas (início, desenvolvimento, clímax e fim, não necessariamente com resolução), como nos filmes de Tarantino, Woody Allen, ou nas cenas carregadas de texto, subtexto e contexto da trilogia O poderoso chefão, de Francis Ford Copolla, dá a ideia que as coisas acontecem rapidamente e, por isso mesmo, o salto de estados de natureza acontece de modo mais explícito, enquanto o outro modo é mais tácito.
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Um exemplo deste problema é o que foi feito com a personagem de Jena Malone, que representava um contato de Lois Lane (Amy Adams) dentro do Pentágono. A ótima atriz teve apenas duas cenas, menos de dois minutos de tela, ambas dialogadas com Adams. Na segunda vez que aparece revela que a cadeira com a bomba estava revestida de chumbo, o que impossibilitaria Superman de ver o artefato explosivo.
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Quem viu ao filme sabe que este é o ponto máximo de conflito interno do alienígena. Culpa-se este (e é culpabilizado pela mídia) por não ter impedido a destruição: “Eu não vi, Lois. Não vi, porque não prestei atenção.” Ora, como bem sabemos, uma das regras básicas da filosofia ética é: Dever implica poder. Só devo agir porque posso agir. Superman é culpado pelas mortes não porque as causou, mas porque não as impediu: sua velocidade, sua invulnerabilidade, permitiriam que ele contivesse a explosão. Mas para isso, fazia-se necessário que ele soubesse do perigo, tivesse visto a bomba com sua visão de raios-X. Mas se estava invisível para ele, nada o obrigaria a intervir.
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Lois, contudo, mesmo sabendo que o seu amado perturbava-se por não ter agido, não lhe comunicou do chumbo da cadeira, aliviando-o do peso da culpa. Reviravolta que seria até mais interessante do que o que aconteceu neste filme e no filme anterior: Lane sempre salva o corpo de Clark. Esta salvação seria muito mais importante, salvá-lo-ia a alma (esqueçamos, por um momento, que Kent afirma que não olhou, então sua culpa continuaria).
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Ironicamente, as únicas cenas em que encontramos um diálogo mais longo que permitisse a personagem desenvolver sua mentalidade e suas ideologias como discurso são de Lex Luthor: o seu discurso para os senadores quando pede acesso ao cadáver de Zod e à nave; o seu discurso “os capas vermelhas estão chegando” para a Senadora Finch; seu discurso para um Superman ajoelhado. Todos têm o mesmo tema: o deus e o pai. Devemos, portanto, assimilar estes como os temas essenciais do enredo.
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2. Martha
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Um dos elementos mais criticados do filme, é o fato de dois homens poderem se aliar pelo fato que ambos têm mães com mesmo nome. Por mais fã que eu seja da DC, nunca havia me atentado para tal fato, o que me deu uma pontinha de inveja da inventividade da trama.
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O ataque feito a tal instrumento da trama parecem-me injustificados. Se o assassinato do pai é justificativa para todos os conflitos de Capitão América: Guerra Civil (Tony Stark vs Steve Rogers; T’Challa vs Bucky Burnes), por que a mãe não poderia unir dois marmanjos órfãos?
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A cena também lembrou-me uma frase que normalmente é atribuída a Anton Tchekhov de que, se o narrador mostra um prego no primeiro ato, no ato final é lá que a personagem deve se matar. Neste sentido, há uma frase com mesmo encaminhamento, esta atribuída a Alfred Hitchcock, de que se vemos um revólver num filme, há a obrigação moral de ser utilizado.
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Ora, o que isso tem a ver? A primeira cena do filme apresenta o assassinato dos pais de Bruce Wayne/ Batman (Ben Affleck) – e na versão cinematográfica, se a memória não me trai, é mais precisa ainda, porque esta rememoração não é entrecortada pela cena do enterro –, em que só há um som: o nome Martha ser pronunciado. Logo, ele deve ser de suma importância na trama. Mais tarde vemos o herói de Gotham depositar flores no túmulo dos pais, mas o único nome que vemos é a da mãe, o pai está encoberto.
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Outras mães aparecem pelo filme além das duas Marthas, a companheira do preso com a marca do morcego que é assassinado na cadeia de Metrópolis, por exemplo. Ora, um dos subtextos do filme é o legado paterno: Kal-El é o legado de Krypton, assim como a abominação Apocalypse é a sua vergonha. Clark Kent deve aprender a sair da sombra daquilo que Jonathan Kent projetou para si. Neste sentido, vai até as altas montanhas para encontrar com o seu fantasma.
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Ao contrário do fantasma de Jor-El, que é uma memória computadorizada, Jonathan Kent é um espírito propriamente dito, um ente sobrenatural, afinal, conta-lhe uma história que Clark jamais poderia saber e responde a uma dúvida do filho, logo, não é memória, nem projeção, a solução não estava em “Clark Joe”. Não à toa, vai o filho ao topo do mundo, vai ao encontro da morte, segundo o auxiliar de montanhistas que lhe oferece ajuda para subir a montanha, Jonathan termina uma sepultura – a sua própria –.
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Finalmente, o pai morto, sua sombra superada, pode retornar o filho para assumir o seu lugar devido, sem a interferência da imagem imensa e divina paterna. Não mais duvida de si mesmo e tornou-se, finalmente, o Homem de Aço por fora e por dentro – não é mais fragmentário –, pode ser sacrificado, pois não deve mais nada ao mundo.
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O mesmo se pode dizer de Bruce. No seu escritório na empresa que leva o nome da família paterna, vê-se a imagem de seu pai num quadro, sorrindo sobre o seu ombro. O tempo todo, Alfred chama-lhe atenção para o legado da família: é a adega que se esvazia; é o herdeiro que não tem; é a companheira que não acha. O diálogo mais importante entre os dois é, provavelmente, a afirmação da família: os Wayne enriqueceram como caçadores, e é isto que ele é: um caçador de gente, agora há de caçar um deus.
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Aceitar seu legado como um caçador Wayne é o que vai levá-lo, por fim, ao ataque final contra a maior de todas as presas: o alienígena com poderes divinos conhecido pelo planeta como Superman.
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Lex Luthor, por sua vez, é obcecado pela ideia de pai: odeia-o pela violência, odeia deus por não tê-lo protegido. Pai e deus são um só. Como não odiar o pai? É seu único assunto, sua obsessão. Enriqueceu do nada – realizou o American Dream –, e, para ganhar a mídia, batizou sua empresa em nome do filho. Este quem é? É só mais um herdeiro, ganhou tudo de mão beijada. Não importa o quanto seja inteligente, ele não tem poder verdadeiro. Não é um deus como seu pai ou Kal-El.
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Nenhuma vez, Luthor menciona que já teve mãe. Lex Luthor não teve uma Martha em sua vida. À Martha, Clark pode recorrer no momento de desespero e solidão; Martha continuou sendo a imagem perfeita de Mãe Santa na mente de Bruce. O que torna a personalidade do vilão ainda mais problemática se lembrarmos da sua frase: “A mulher especial de todo menino”.
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Luthor, portanto, caracteriza-se por ser o menino que apanhou do pai, nunca escapou de sua sombra e nem a imagem santificada e santificadora da mãe teve para confortá-lo na dor e no sofrimento.
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3. 3 Heróis
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Num ensaio anterior, comentamos como Superman é, na verdade, uma forma alegórica da moral ocidental. É na falta da percepção desta verdade sobre o Homem de Aço que torna problemática a sua apresentação cinematográfica dos últimos anos.
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Em Superman II, dirigido por Richard Donner com Christopher Reeve, há basicamente o mesmo nível de destruição de Metrópolis na luta entre os kryptonianos Kal-EL e Gal. Zod, interpertado por Terence Stamp, que no filme de Zack Znyder com Henry Cavill e Michael Shannon respectivamente. A diferença é a capacidade gráfica dos filmes do século XXI, mais capazes de mostrar toda a destruição possível quando deuses combatem.
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Uma segunda diferença, no entanto, é que, no filme de 1980, há uma aparente preocupação com os civis – Zod chega a usar isto contra Clark –. O Superman de 2013, por sua vez, demonstra preocupação genuína com as vidas humanas, fazendo a escolha de matar o general kryptoniano em prol da população humana. Ora, o assassinato aqui não é o problema (no filme anterior, a personagem de Reeve arremessa, sorrindo, um impotente Zod num buraco congelante da Fortaleza da Solidão no Ártico, presumivelmente matando-o. É necessário um grau muito alto de ingenuidade para querer ver o contrário). O problema é o quão gráfico é o ato: a personagem de Cavill quebra o pescoço da personagem de Shannon.
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O grotesco da situação encontra-se no fato de que o Superman de 2013 foi jogado àquela situação, um dilema ético: matar um em nome de muitos ou não? Ao agarrar um dos chifres, este Superman deixa de ser um modelo moral (isto é, de valores de bem e mal extremamente bem definidos), para um Kantiano que abandona os seus princípios em favor do utilitarismo. Infelizmente, este não é o tipo de narrativa que se presta ao maior super-herói de todos.
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Quando, na película dos anos ‘70, Zod é levado à morte (como todos os vilões da Disney, desde a Rainha Má da Branca de Neve, que acabam morrendo numa queda), o protagonista não passa por nenhum sofrimento moral.
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A conclusão é óbvia: Superman não deve ser levado à ação pela situação, mas agir pelo valor da ação em si: faz o que é o certo porque representa o valor moral da civilização ocidental.
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Na morte mais recente de Zod, há um subtexto predominantemente de como devemos lidar com a situação do terrorismo. O Zod anterior, representava a ameaça soviética: ataca a Casa Branca, toma o poder, faz todos curvarem-se ao seu poder: o final traz o Último Filho de Krypton carregando de volta a Star Spangled Banner.
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Para um momento tão adiantado da Guerra Fria, já havia a certeza de como lidar com o inimigo que viria, de fora, tomar a nossa Liberdade. No entanto, nós ainda não sabemos como responder diretamente o problema do Terrorismo.
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Em BvS, a primeira cena do Superman, por exemplo, é ele derrubando à força uma guerrilha africana cujo líder deve responder à Lois Lane se é, ou não, um terrorista. É uma modificação completa do significado de Terrorismo: um rebelde civil pode ser muitas coisas – assassino, estuprador, guerrilheiro, etc. –, mas não um terrorista. A intervenção do alienígena fantasiado de bandeira estadunidense, no entanto, só possui duas leituras: intervenção militar de uma superpotência imperialista estrangeira, ou de terrorismo.
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Passaremos o filme inteiro acompanhando o martírio do herói por sua intervenção nesta nação, só para descobrirmos que os rebeldes guerrilheiros foram armados por empresas armamentistas dos Estados Unidos. Uma reviravolta típica de um filme de Paul Greengrass.
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Mais uma vez, ao invés de estabelecer um fio condutor moral do Superman, quais valores morais, quais virtudes ele deveria representar, Snyder escolhe colocá-lo numa nova bifurcação ética: como agir diante do terror, como o Ocidente deve agir diante das imigrações islâmicas, o que fazer em relação ao ISIS?
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Ele é uma personagem bastante simples que poderíamos sintetizar em valoreis morais, no dizer religioso, ou em virtudes, como chamaria Aristóteles, típicos da herança cultural Cristã-Ocidental: Coragem, Generosidade, Humildade, Autossacrifício – sim senhor, pois, assim como nas estórias em que aparecem Bane, Batman há de ser quebrado e voltar (Rise), onde quer que se veja o Apocalypse, Superman deve morrer e ressuscitar, daí as imagens cristãs pós bomba atômica ou de La Pietá, quando Batman e a Mulher Maravilha entregam o cadáver de Clark à Lois –. Deve-se, pois, escrever uma narrativa em que estes valores sejam enfatizados e, pelo menos uma vez, dar-lhe a oportunidade de discursar sobre eles.
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O mais próximo a isso que temos é a discussão entre Kent e White sobre os valores da imprensa, diálogo, como já mencionei, muito curto e que, jamais transformar-se-ia em discurso, ainda mais que Perry White silencia Clark Kent.
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Os valores são típicos: verdade, justiça, American Way of Life – que entra no vocabulário do Homem de Aço, salvo engano, junto com o McCarthismo, o Superman original, que era, de acordo com o texto, o “campeão dos oprimidos. A maravilha física que jurou dedicar sua existência a ajudar os necessitados!”, soaria comunista demais para a era da Guerra Fria –.
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Por que, então, acerta-se a mão com o Batman e a Mulher Maravilha? Porque super-heróis, antes de personagens, são alegorias, constroem-se de fora para dentro, e, desta feita, esta duas personagens estão brilhantemente representadas.
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Comecemos pela Mulher Maravilha de Gal Gadot. Vemo-na nas festas, costas nuas, vestido até o joelho, porém justo: sensual, mas não excessiva. Dá seu corpo para ser visto, mas cria uma bolha: admire-me, mas não me vulgarize. Não se impressiona pelo conhecimento de Bruce Wayne, está tão bem informada quanto ele; mostra que está em outro nível: “Você não conheceu nenhuma mulher como eu!”. Na luta contra o monstro, salva Batman da morte certa, posiciona-se ao centro, à frente dos dois: ela não é a moça indefesa a ser salva como Lois que se afoga, ela veio ser um membro efetivo do grupo. Quando a aberração alienígena a derruba, ela simplesmente sorri e salta sobre ele.
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Se podemos definir a Mulher Maravilha numa palavra, numa alegoria de valor moral seria “Empoderamento”. Ora, semideusa, ela é o poder encarnado, divino. Sua armadura deixa o seu busto à mostra, suas enormes pernas estão visíveis, mas isso não lhe dá um aspecto sexual, ainda que erótica seja, mas de guerreira, não veste uma fantasia, mas uma couraça, sua saia não é de festa, mas de couro como a das armaduras gregas. Completamente poderosa: Vai à luta porque quer, veste-se de tal e qual modo porque quer; de todas as armas usadas contra a criatura, a sua espada foi a mais eficiente.
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Diana é a imagem perfeita do feminismo: independente, produtiva, inteligente, sensual. Servindo de mensagem para qualquer menina que a vir, sem precisar discursar: você, como eu, pode ser o que quiser, do jeito que quiser.
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O Batman é largamente baseado na versão de Frank Miller, fascista – no sentido de uma figura autoritária, um quase louvor à virilidade e juventude, como poderíamos ver no discurso da personagem sobre o líder mutante no romance gráfico de Miller, O cavaleiro das trevas –, violento, sagaz. A frase de Miller está lá, na boca de Affleck: “O mundo não faz sentido, a não ser que você force-o a fazer sentido.” É quase um futurista italiano louvando a bomba e o motor!
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Este Batman tem noção plena de sua degradação moral, diz ele a Alfred: “Nestes 20 anos (…), quantos [homens] continuaram bons?” Esta pergunta retórica é uma confissão ao mordomo/pai de criação: eu tinha boas intenções, mas me corrompi à violência.
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Ao perceber que seu inimigo é um filho de uma Martha, isto é, ao recriar, em si, o mecanismo da compaixão (“sofrer junto”), da empatia (“sofrer dentro”, isto é, colocar-se no lugar do outro), reacendeu na força coercitiva violenta a chama do herói: matar um filho de uma mulher, não vai impedir que ele se torne mau. Vai impedir que ele se mantenha bom. Como projetou o seu próprio fracasso como herói em Clark, intenta sentenciá-lo à pena capital só pela possibilidade do crime: o julgamento prévio.
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Novamente, estamos diante da problemática terrorista e da questão dos imigrantes. Como garantir que, entre os refugiados, não haja um terrorista? Não se pode. Qual a solução? Para aqueles que corroboram o pensamento iniciático de Bruce Wayne, expulse-os todos, mate-os antes que explodam o Capitólio com seu “falso deus”.
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Mas Clark transforma em Bruce: “Falhei com ele em vida, não vou falhar com sua morte.” Encontra outra solução: encontrar mais meta-humanos para enfrentar as ameaças alienígenas. Basicamente, juntar e treinar refugiados para combater os que, dentre eles, são terroristas.
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Interessante será, no futuro bem próximo, ver como o sisudo protofascista Wayne comportar-se-á com o estreitamento de sua relação com a empoderada Diana. Ainda mais, qual será a sua reação ao encontrar-se com o ressurrecto alien que distorce a gravidade terrestre.
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4. O sacrifício
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Não se bota um revólver num filme se ele não será disparado. Não se bota o Apocalypse numa narrativa do Superman se não o assassinar. Há certas coisas certas nestes mundos de celulose e nitrato de celulose.
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O sacrifício, o maior valor cristão, no entanto, numa narrativa, só deve ser usado numa aporia (“sem saída”). Jogar o maior herói de todos contra um monstro destruidor quando este estava enfraquecido e amarrador foi tolice – ainda mais que uma lança poderia ser arremessada, sobretudo quando dois dos maiores lutadores da ficção estão presentes –.
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Gravíssimo problema é, justamente, a ausência de dramaticidade na morte anunciada. Não há uma sensação de urgência, de aporia. O espectador percebe que há outros meios, outras alternativas. Desta maneira, o salto de Kal-El para a morte parece extemporâneo.
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Desta forma, parece um recurso ao Deus ex Machina quando Lois Lane descobre sozinha a necessidade da lança que ela jogara na água. Ao tentar buscá-la fica presa, quase afoga-se e, por incrível que pareça, o fim das batidas de seu coração são percebidas por Clark, mesmo em meio àquela batalha gigantesca. A situação piora: a radiação, dentro d’água, fá-lo desmaiar, mas voar contra o monstro segurando a lâmina, não.
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A cena poderia ser resolvida, por exemplo, invertendo a posição entre Superman e Mulher Maravilha. Ela estaria sendo massacrada, Superman agarra-o, Batman atira, Mulher Maravilha realiza o golpe. Qualquer coisa que passasse a sensação de não haver nenhuma outra saída, do jeito que foi narrado, no entanto, parece gratuito.
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5. Conclusão
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Os defeitos de BvS são evidentes, talvez por isso muita gente se sentiu incapaz de ler as suas qualidades ao ver o filme. As ideias são boas, as cenas são lindas, as lutas impressionantes, no entanto faltou alguém que transformasse o roteiro em narrativa: uma sequência de causas e efeitos verossimilhantes. Alguém que questionasse a função de Lois Lane novamente no combate, que questionasse a ausência de urgência no sacrifício de Superman, que questionasse a estruturação das cenas.
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Interessante notar que quando Snyder está acompanhado por um grande escritor nos roteiros, produz grande obras, algumas vezes chamadas de visionárias. Quando escreve sozinho os filmes que vai dirigir acaba com produções deficitárias.
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Reconhecer o problema é o primeiro e mais importante passo para solucioná-lo. Mãos à obra.


Thiago Fernandes,


27/12/16-08/01/2017

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

TU NUA

             tu
             nua:

  na pele tua            
a minha sua

SOBRE DOIS DE NÓS

CAPÍTULO I
(Os dois fizeram amor no carro).

CAPÍTULO II
Amante: Por que não ficamos juntos de vez? De uma vez para sempre, como sempre deveria ter sido? Eu, você, minha filha,… nossos filhos…
Amante: Não posso… Não podemos, somos casados!
Amante: Sim, mas existe separação, temos que nos perder de novo?

CAPÍTULO III
Eram amigos de infância, famílias vizinhas, aos sete anos prometeram-se casar um com o outro, aos treze, viraram namoradinhos, ela se mudou aos 15 anos.
Nunca chegaram a se beijar.

CAPÍTULO IV
Amante: Mas eu amo a pessoa com quem estou hoje.
Amante: Eu também, mas eu também te amo, mais que tudo, depois de minha filha.
Amante: Aí é que está! Você tem sua filha, suas responsabilidades…
Amante: Não venha colocar a culpa de seu medo sobre minha responsabilidade para minha filha!, ela é minha filha e sempre será, nunca deixará de ser, mas amor de casamento também amo, mas nada como você! você não me quer por causa de minha filha, é isso?
Amante: Não, por ela!, Deus, eu adoraria ter uma filha, ainda mais a sua, teremos os nossos também, já que não os tive no meu casamento.
Amante: E então?
Amante: E então que é minha responsabilidade, minha honra.
Amante: Então sua responsabilidade, sua honra, vale mais do que seu amor por mim?
Amante: Não! sim, isto é, tente entender, não sou só eu, tem minha família, meus pais, meus sogros, tanta gente… Como poderia deixar alguém que gosto tanto por outrem que conheci ou reencontrei hoje? Não é que eu não te ame, que eu não ame a pessoa com quem vivo, foram tantos… tantas dificuldades, tantas tristezas, prazeres e alegrias. Não, não é certo, simplesmente não é certo.

CAPÍTULO V
Festa de fim de ano na empresa. Os dois foram levados por seus respectivos cônjuges.

CAPÍTULO VI
Cônjuges: Amor, quero que você conheça…
Amantes: Você!?
Cônjuges: Vocês já se conhecem?
Amantes: Éramos amigos de infância.
Cônjuges: Ah, que bom, então vamos deixar que matem a saudade dos velhos tempos.

CAPÍTULO VII
Amante: Eu seu que não é certo, e se você falasse outra coisa agora, eu não te reconheceria, não seria a pessoa que tanto amo, que mais amei.
Amante: Também nunca amei ninguém assim. Mas isso também não quer dizer que não ame…
Amante: Eu sei, um amor assim, tão bonito, construído em tantos anos, não se abre mão tão fácil por uma aventura. Mas é isso que somos? Uma aventura? Uma aventura, um para o outro, que, depois do prazer, do risco, perde todo sabor?
Amante: Não sei o que somos. A ilusão do beijo nunca dado? Uma coisa irreal, ideal, que é perfeita e nunca poderá ser vivida e igualada? Ou a coisa verdadeira que, se nunca tentada, será sempre o vazio?
Amante: E pode se amar duas pessoas tão assim, no de-verdade?
Amante: Existe limite para amar? Por que escolher a quem amar dói tanto, é tão assustador?
Amante: Abandonar o amor certo pelo amor louco? É, não é correto isso mesmo.
Amante: Não é correto mas eu quero tentar.
Amante: Contra tudo e contra todos?
Amante: Sim.
Amante: Devemos?
Amante: Ã?
Amante: Devemos, assim, devemos mesmo?
Amante: Não. Nosso dever e nossa vontade são dois inimigos naturais.
Amante: Não podemos conciliar isso?
Amante: Como? Como estamos fazendo agora?
Amante: Sim…
Amante: Mas o que fizemos, é tão errado, é tão mais errado!
Amante: Mas poderíamos manter os nossos dois amores.
Amante: É verdade, não teríamos que escolher, que nos dividir, que sofrer e fazê-los sofrer.
Amante: Mas é tão mais errado! Não é que seja mais fácil para nós, ou não os magoe, que faça do ato mais certo, ou menos errado.
Amantes: Estaríamos só enganando.
Amante: A nós e a eles.
Amante: O que fazer neste dilema tão absurdo!
Amante: Chegar ao ponto de escolher a quem amar sabendo que sempre haverá sofrimento.

CAPÍTULO VIII
Ali, um e outro, olhando-se, no meio daquela festa, o que dizer? O que calar? Nunca o coração batera tao rápido entregando-se. Como mentir naquele instante tão revelador?

CAPÍTULO IX
Amante: Eu te amo.
Foi a primeira coisa que se disse ali, com ninguém por perto.

CAPÍTULO X
Qual era a verdade daquele momento?

CAPÍTULO XI
“Meu amor, o que faço contigo. Mereço uma punição terrível!, mereço o teu ódio eterno? Ou o que mereço, o que merecemos, é o desprezo eterno? Teu, meu, do povo! Não, meu amor, não me odeie por te amar de um jeito tão troncho.”

CAPÍTULO XII
Amante: O quê? O que você está dizendo?
Amante: O que eu não posso mentir.
Amante: Ó Deus, teus olhos!

CAPÍTULO XIII
Quem prestasse atenção às calças dos dois perceberiam imediatamente a excitação sexual que tomou conta deles.

CAPÍTULO XIV
Amante: O que você fez todo esse tempo?
Amante: Estudei, trabalhei, casei…
Amante: Eh! Tudo no passado.
Amante: É, tudo no passado. O que me faz questionar: “E o meu futuro? E o seu?
Amante: E o nosso?”
Misturavam ali verdades profundas com verdades fúteis, enquanto as pessoas aproximavam-se e iam, deixando-os a sós.

CAPÍTULO XV
Amante: O que faremos nós?
Amante: Aqui, neste carro? Talvez primeiro sair dele.
Amante: É a última coisa que quero no mundo. Este momento, indefinidamente.
Amante: Logo amanhece?
Amante: Logo, amanhece.

CAPÍTULO XVI
E amanhecendo ali, o dia tão vermelho.

CAPÍTULO XVII
Enquanto as pessoas iam e voltavam:
Amante: Tem filhos?
Amante: Não, nós nunca quisemos ter… Bem, eu sim.
Amante: Eu tenho uma filha. Quer ver?
Amante: Claro.
Amante: Não é a coisa mais linda do mundo?
Amante: É. Talvez a segunda… ela tem seus olhos, sua boca…
Amante: É, é muito linda, mesmo!
Amante: Presunção!
Riram chamando a atenção do salão.

CAPÍTULO XVIII
Amante: Eu vou me perdoar?
Amante: Vão nos perdoar?
Amante: Por que pensar no sofrimento deles se o nosso é tão palatável? Eu vou me arrepender de ir? Vou me arrepender de ficar?
Amante: Vamos nos perdoar de nossa escolha?
Amante: É, paramos e olhamos: é nossa família.
Amante: E enquanto nos olhamos é o nosso amor.
Amante: É.

CAPÍTULO XIX
Amante: Deus, os teus olhos!
Amante: O que é que têm?
Amante: Você tem que parar de me olhar assim.
Amante: Você não consegue ler meus pensamentos, olhando para eles?
Amante: Que me amaria agora mesmo, neste chão.
Amante: É, a mesma coisa que o teu.

CAPÍTULO XX
Enquanto o elevador desce para o estacionamento no subsolo, a respiração ofegante dos dois sozinhos deixou o ambiente fechado retumbantemente ensurdecedor. Mesmo assim não se tocaram. Mas os olhos…

CAPÍTULO XXI
Amante: Não podemos ficar aqui, desse jeito.
Amante: É, não podemos ficar aqui.
Amante: Não, não aqui, quer dizer, devemos ficar, mas não desse jeito.
Amante: É. Devemos.
Amante: Devemos nos beijar.
Amante: Eu tenho que sentir o gosto da tua boca.
Amante: Não podemos.
Amante: Por quê?
Amante: Porque, se fizermos isso, não sei se conseguirei voltar.
Amante: Eu também.

CAPÍTULO XXII
Amante: Você já fez isso antes?
Amante: Eu?, nunca! Você acha que sou do tipo que trai o casamento?
Amante: Não.
Amante: E… e… vo-você?
Amante: Também… não.

CAPÍTULO XXIII
Subia o elevador. Tinha certeza que não poderia voltar atrás, não importava o resultado da volta para casa, mesmo que no futuro venha a se separar, mesmo que qualquer coisa aconteça, não poderá jamais voltar a este amor de infância roubado e reencontrado, revivido e regozado, este amor tão lindo e tão gostoso estava totalmente perdido para si.

CAPÍTULO XXIV
Ao entrar em casa, encontram esta carta:
“Meu Amor,
Não sei se tu se lembra daquela pessoa que te apresentei naquela festa da empresa, que é casada com aquela tua amizade de infância?
Bem, aquela pessoa que te apresentei e eu somos amantes. Estamos juntos há três anos agora e eu já não suporto mais esta mentira que me come por dentro porque te amo.
Sim, é verdade. Pode me achar hipócrita, viver te mentindo, te traindo e te amando! Mas esta é a verdade, por isso eu aguentei por tanto tempo.
Não quero dizer que te aguentei por tanto tempo, mas eu me aguentei por tanto tempo, o lixo que vivi por tantos anos, me odiando por te amar e te magoar sem que tu saiba.
Por isso tomei esta decisão, a mais difícil de minha vida. Eu te deixei, Amor, eu vou embora com o meu Outro-Amor, não me odeie, por favor, eu não viveria se tu me odiasse. Eu sei que tu vai sofrer, eu estou sofrendo, sei que tu entristecerá, vai amargurar, mas não me odeie.
Mesmo que não me perdoe (mas tente, tente, tente, por favor, tente), não me odeie.
Eu te amo e adeus,


 …”