sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

SOBRE DOIS DE NÓS

CAPÍTULO I
(Os dois fizeram amor no carro).

CAPÍTULO II
Amante: Por que não ficamos juntos de vez? De uma vez para sempre, como sempre deveria ter sido? Eu, você, minha filha,… nossos filhos…
Amante: Não posso… Não podemos, somos casados!
Amante: Sim, mas existe separação, temos que nos perder de novo?

CAPÍTULO III
Eram amigos de infância, famílias vizinhas, aos sete anos prometeram-se casar um com o outro, aos treze, viraram namoradinhos, ela se mudou aos 15 anos.
Nunca chegaram a se beijar.

CAPÍTULO IV
Amante: Mas eu amo a pessoa com quem estou hoje.
Amante: Eu também, mas eu também te amo, mais que tudo, depois de minha filha.
Amante: Aí é que está! Você tem sua filha, suas responsabilidades…
Amante: Não venha colocar a culpa de seu medo sobre minha responsabilidade para minha filha!, ela é minha filha e sempre será, nunca deixará de ser, mas amor de casamento também amo, mas nada como você! você não me quer por causa de minha filha, é isso?
Amante: Não, por ela!, Deus, eu adoraria ter uma filha, ainda mais a sua, teremos os nossos também, já que não os tive no meu casamento.
Amante: E então?
Amante: E então que é minha responsabilidade, minha honra.
Amante: Então sua responsabilidade, sua honra, vale mais do que seu amor por mim?
Amante: Não! sim, isto é, tente entender, não sou só eu, tem minha família, meus pais, meus sogros, tanta gente… Como poderia deixar alguém que gosto tanto por outrem que conheci ou reencontrei hoje? Não é que eu não te ame, que eu não ame a pessoa com quem vivo, foram tantos… tantas dificuldades, tantas tristezas, prazeres e alegrias. Não, não é certo, simplesmente não é certo.

CAPÍTULO V
Festa de fim de ano na empresa. Os dois foram levados por seus respectivos cônjuges.

CAPÍTULO VI
Cônjuges: Amor, quero que você conheça…
Amantes: Você!?
Cônjuges: Vocês já se conhecem?
Amantes: Éramos amigos de infância.
Cônjuges: Ah, que bom, então vamos deixar que matem a saudade dos velhos tempos.

CAPÍTULO VII
Amante: Eu seu que não é certo, e se você falasse outra coisa agora, eu não te reconheceria, não seria a pessoa que tanto amo, que mais amei.
Amante: Também nunca amei ninguém assim. Mas isso também não quer dizer que não ame…
Amante: Eu sei, um amor assim, tão bonito, construído em tantos anos, não se abre mão tão fácil por uma aventura. Mas é isso que somos? Uma aventura? Uma aventura, um para o outro, que, depois do prazer, do risco, perde todo sabor?
Amante: Não sei o que somos. A ilusão do beijo nunca dado? Uma coisa irreal, ideal, que é perfeita e nunca poderá ser vivida e igualada? Ou a coisa verdadeira que, se nunca tentada, será sempre o vazio?
Amante: E pode se amar duas pessoas tão assim, no de-verdade?
Amante: Existe limite para amar? Por que escolher a quem amar dói tanto, é tão assustador?
Amante: Abandonar o amor certo pelo amor louco? É, não é correto isso mesmo.
Amante: Não é correto mas eu quero tentar.
Amante: Contra tudo e contra todos?
Amante: Sim.
Amante: Devemos?
Amante: Ã?
Amante: Devemos, assim, devemos mesmo?
Amante: Não. Nosso dever e nossa vontade são dois inimigos naturais.
Amante: Não podemos conciliar isso?
Amante: Como? Como estamos fazendo agora?
Amante: Sim…
Amante: Mas o que fizemos, é tão errado, é tão mais errado!
Amante: Mas poderíamos manter os nossos dois amores.
Amante: É verdade, não teríamos que escolher, que nos dividir, que sofrer e fazê-los sofrer.
Amante: Mas é tão mais errado! Não é que seja mais fácil para nós, ou não os magoe, que faça do ato mais certo, ou menos errado.
Amantes: Estaríamos só enganando.
Amante: A nós e a eles.
Amante: O que fazer neste dilema tão absurdo!
Amante: Chegar ao ponto de escolher a quem amar sabendo que sempre haverá sofrimento.

CAPÍTULO VIII
Ali, um e outro, olhando-se, no meio daquela festa, o que dizer? O que calar? Nunca o coração batera tao rápido entregando-se. Como mentir naquele instante tão revelador?

CAPÍTULO IX
Amante: Eu te amo.
Foi a primeira coisa que se disse ali, com ninguém por perto.

CAPÍTULO X
Qual era a verdade daquele momento?

CAPÍTULO XI
“Meu amor, o que faço contigo. Mereço uma punição terrível!, mereço o teu ódio eterno? Ou o que mereço, o que merecemos, é o desprezo eterno? Teu, meu, do povo! Não, meu amor, não me odeie por te amar de um jeito tão troncho.”

CAPÍTULO XII
Amante: O quê? O que você está dizendo?
Amante: O que eu não posso mentir.
Amante: Ó Deus, teus olhos!

CAPÍTULO XIII
Quem prestasse atenção às calças dos dois perceberiam imediatamente a excitação sexual que tomou conta deles.

CAPÍTULO XIV
Amante: O que você fez todo esse tempo?
Amante: Estudei, trabalhei, casei…
Amante: Eh! Tudo no passado.
Amante: É, tudo no passado. O que me faz questionar: “E o meu futuro? E o seu?
Amante: E o nosso?”
Misturavam ali verdades profundas com verdades fúteis, enquanto as pessoas aproximavam-se e iam, deixando-os a sós.

CAPÍTULO XV
Amante: O que faremos nós?
Amante: Aqui, neste carro? Talvez primeiro sair dele.
Amante: É a última coisa que quero no mundo. Este momento, indefinidamente.
Amante: Logo amanhece?
Amante: Logo, amanhece.

CAPÍTULO XVI
E amanhecendo ali, o dia tão vermelho.

CAPÍTULO XVII
Enquanto as pessoas iam e voltavam:
Amante: Tem filhos?
Amante: Não, nós nunca quisemos ter… Bem, eu sim.
Amante: Eu tenho uma filha. Quer ver?
Amante: Claro.
Amante: Não é a coisa mais linda do mundo?
Amante: É. Talvez a segunda… ela tem seus olhos, sua boca…
Amante: É, é muito linda, mesmo!
Amante: Presunção!
Riram chamando a atenção do salão.

CAPÍTULO XVIII
Amante: Eu vou me perdoar?
Amante: Vão nos perdoar?
Amante: Por que pensar no sofrimento deles se o nosso é tão palatável? Eu vou me arrepender de ir? Vou me arrepender de ficar?
Amante: Vamos nos perdoar de nossa escolha?
Amante: É, paramos e olhamos: é nossa família.
Amante: E enquanto nos olhamos é o nosso amor.
Amante: É.

CAPÍTULO XIX
Amante: Deus, os teus olhos!
Amante: O que é que têm?
Amante: Você tem que parar de me olhar assim.
Amante: Você não consegue ler meus pensamentos, olhando para eles?
Amante: Que me amaria agora mesmo, neste chão.
Amante: É, a mesma coisa que o teu.

CAPÍTULO XX
Enquanto o elevador desce para o estacionamento no subsolo, a respiração ofegante dos dois sozinhos deixou o ambiente fechado retumbantemente ensurdecedor. Mesmo assim não se tocaram. Mas os olhos…

CAPÍTULO XXI
Amante: Não podemos ficar aqui, desse jeito.
Amante: É, não podemos ficar aqui.
Amante: Não, não aqui, quer dizer, devemos ficar, mas não desse jeito.
Amante: É. Devemos.
Amante: Devemos nos beijar.
Amante: Eu tenho que sentir o gosto da tua boca.
Amante: Não podemos.
Amante: Por quê?
Amante: Porque, se fizermos isso, não sei se conseguirei voltar.
Amante: Eu também.

CAPÍTULO XXII
Amante: Você já fez isso antes?
Amante: Eu?, nunca! Você acha que sou do tipo que trai o casamento?
Amante: Não.
Amante: E… e… vo-você?
Amante: Também… não.

CAPÍTULO XXIII
Subia o elevador. Tinha certeza que não poderia voltar atrás, não importava o resultado da volta para casa, mesmo que no futuro venha a se separar, mesmo que qualquer coisa aconteça, não poderá jamais voltar a este amor de infância roubado e reencontrado, revivido e regozado, este amor tão lindo e tão gostoso estava totalmente perdido para si.

CAPÍTULO XXIV
Ao entrar em casa, encontram esta carta:
“Meu Amor,
Não sei se tu se lembra daquela pessoa que te apresentei naquela festa da empresa, que é casada com aquela tua amizade de infância?
Bem, aquela pessoa que te apresentei e eu somos amantes. Estamos juntos há três anos agora e eu já não suporto mais esta mentira que me come por dentro porque te amo.
Sim, é verdade. Pode me achar hipócrita, viver te mentindo, te traindo e te amando! Mas esta é a verdade, por isso eu aguentei por tanto tempo.
Não quero dizer que te aguentei por tanto tempo, mas eu me aguentei por tanto tempo, o lixo que vivi por tantos anos, me odiando por te amar e te magoar sem que tu saiba.
Por isso tomei esta decisão, a mais difícil de minha vida. Eu te deixei, Amor, eu vou embora com o meu Outro-Amor, não me odeie, por favor, eu não viveria se tu me odiasse. Eu sei que tu vai sofrer, eu estou sofrendo, sei que tu entristecerá, vai amargurar, mas não me odeie.
Mesmo que não me perdoe (mas tente, tente, tente, por favor, tente), não me odeie.
Eu te amo e adeus,


 …”

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