terça-feira, 24 de novembro de 2015

SUPERMAN: O ÚLTIMO FILHO - RESENHA CRÍTICA

Acabo de ler o encadernado da Eaglemoss do romance gráfico Superman: O último filho. Constato: e como é fácil escrever uma boa estória do Superman. É fácil porque ele é icônico, representando tudo o que é colorido e belo no American Way of Life, ou para ser ainda mais preciso, nas suas mais bem acabadas estórias, como esta, no que há de melhor na ideologia ocidental.

Como transfiguração da ética ocidental, Superman torna-se sempre uma bússola moral, achincalhado por todos: "escoteiro" etc. Mas a verdade é que aqueles que veem o S, sabem que cá é o certo. Daí, talvez, a preferência de muitos pelo Batman e suas estórias cheias de matizes  acinzentadas, de seu caráter quase de anti-herói andando na linha tênue da moralidade (embora o Batman realmente nunca deslize de seu próprio código ético, ele é completamente incorruptível, assim como o Superman), com suas grandes estórias tendendo sempre para o caracteres fascistas. O Superman, ao contrário, tem seus diálogos tendendo para a confirmação de um código de ética moralizante: ele é o pai (não o patriarca, neste caso) ensinando as crianças (ou adultos, ou vilões enquanto discutem com ele trocando sopapos): "não importa, o certo não se enverga". Poucas vezes, em suas estórias, Kal-El, é lançado a um jogo moral insolúvel, do tipo: salvo o menino e deixo o trem descarrilhar, salvo o trem, deixo o menino morrer. E normalmente quando isso acontece, a estória falha porque aqui não há escolha moral aceitável, não há como ser Superman (a não ser que ele salve os dois).

Mais do que o próprio S escancarado no peito, a figura de Clark Kent é aquela a quem Kal-El deseja salvar. Como representante típico do working classman (classe trabalhadora), que cresceu numa fazenda numa pequena cidade do interior, trabalhando com o pai e alimentando a nação, Kent é o caipirão, que chegou a universidade com bolsa paga pelo futebol, aquele desajustado na grande cidade, invisível, mas respeitoso e trabalhador, que mantém tudo funcionando para que as grandes para que aqueles de cima continuem ganhando milhões com seus belos ternos no alto dos grande edifícios das grandes metrópoles. Clark, o nerd de óculos de fundo de garrafa, cabelo desgrenhado, terno barato, desajustado entre os colegas da grande empresa, profissional liberal sempre em busca da verdade: o jornalista, professor, o jovem advogado, o jovem médico. Uma fala de Lex Luthor para Lois Lane - uma das personagens feministas mais libertárias e empoderadas da arte sequencial, desde o seu nascimento nos 40 - demonstra bem a visão do grande capitalista sobre quem é Clark Kent:

"Terá que me perdoar. Ainda estou tentando aceitar o casamento da impetuosa e corajosa repórter do Planeta Diário com... como foi que o Estrela Diária chamou o sr. Kent em sua recente coluna sobre a equipe do Planeta... 'Um parvo pacato, desastrado e caipira. Com mau gosto para ternos'. Sabe, minha oferta para salvá-la do sr. Kent ainda vale".

Neste sentido, Último filho funciona perfeitamente. Há a perfeita compreensão de que o Homem-de-Aço representa a moralidade do Ocidente: não se aprisionam e não se fazem testes em crianças; não se aprisionam inocentes; não se matam crianças; pais não machucam os filhos; crianças tomem todo o seu suco de laranja.

Ora, o que seria de um herói sem sua galeria de vilões? Se o Superman é a configuração da ética Ocidental, quem são os seus vilões? Eles são a realidade do Ocidente. A luta do Superman é o confronto quer ser, ou antes, acredita que é, contra aquilo que realmente é. Tomemos seus 4 maiores vilões: Lex Luthor, Gal. Zod (os dois nêmesis do enredo, este último sendo o principal), Brainiac (citado na estória) e Darkseid. Eles representam a realia Ocidental. Fiquemos com os dois primeiros por fidelidade à narrativa.

Luthor é o que o Capital e a Democracia acreditam que são: empreendedores, inteligentes, avançados, capazes, líderes. Diz Lex ao Superman: "Se não ficasse sempre no meu caminho, Superman, eu já teria feito muito mais pela humanidade. Teria ajudado aqueles que não andam a andar de novo. Teria curado o câncer. Teria salvado o mundo do poço imundo da sua lânguida existência". Diz o Capital para a ética. Ninguém duvida que o Capital é capaz de curar o câncer - frase que Luther vira e mexe diz ser capaz -, mas é muito mais lucrativo remediar os sintomas. Presidente Luthor (da LexCorp e dos EUA) é a face verdadeira do Ocidente: rica, empreendedora, sagaz, e com uma desculpa para não salvar o mundo.

Zod é o conto do que aconteceria com Superman se ele não tivesse sido criado pelos Kent. Ele é a resposta para a pergunta: o que acontece com quem tem poderes ilimitado? Corrompe-se ilimitadamente. A não ser que você seja a imagem pura da ética. Por isso Superman não titubeia, não pode duvidar, não pode ter achismos morais, ele é um deus, deuses são tiranos ou justos, mas são confiáveis. Se Kal-El usasse seus poderes para nos governar, para controlar os seres humanos porque somos inferiores a ele e ele poderia conduzir-nos melhor: ao invés de deixar políticos discutindo na ONU, chutar o pau da barraca e dizer: "Agora farão como eu mandar".

Quando um vilão diz que a "humanidade" (leia ética) do Superman é sua maior fraqueza, ele está completamente enganado (Batman sabe que esta é a maior qualidade de Clark Kent). Esta qualidade o define e por isso vence no final (Superman é um conto moralista, no final de tudo). Zod, no entanto é o general que manda armas para Bin Laden nos anos 1980 e depois reclama do terrorismo nos anos 2000; é o general que derruba os "ditadores" do oriente médio e não entende quando vê surgir o Estado Islâmico; é o general que ataca um país afirmando que este tem armas de destruição em massa, destrói, ocupa, arrasa, mata, perde jovens soldados e depois diz: "desculpe, estávamos engandos". General Zod é a força sem ética, também conhecida como O Mal.

Terminamos a estória como Chris, porque escolhemos ser ele, não Lor-Zod, gritando: "Para o alto e avante".

JOHNS, Geoff; DONNER, Richard; KUBERT, Adam. Superman: o último filho. Trad. Alexandre Callari; Mário Luiz Couto Barroso. São Paulo: Eaglemoss, 2015.




terça-feira, 17 de novembro de 2015

TEZ DO DESEJO

tu tens a tez do desejo,
                             pejo, 
                             beijo, 
                            invejo
a tua graça jovial                   
                      o teu jeito
que se oferece, mas não quer 
                              se dar
que se nega no olhar
quando o sorriso diz
                             me vem
és toda tesão intenso
                        penso
como meu corpo carnal quer-te
que se oferece, mas não quer
                              me dar.



quinta-feira, 12 de novembro de 2015

PAI DE FAMÍLIA

Bom mesmo era na escravatura
Não tinha bolsa-família
Nem desemprego ou Cota escura
Vagabundo não vivia
Do imposto do trabalhador
Bebendo a cana do nosso suor

Bom mesmo era na ditadura
Moral, Deus, bens e família
Bandido era na bala dura
E a gente nunca via
Político roubar na maior
A pátria do nosso amor

Hoje é outra cultura
Bater, um pai de família,
Não pode no filho, que cura
Terá da droga que vicia?
A mulher não respeita o senhor,
Até dois machos a lei casou.

domingo, 1 de novembro de 2015

A METAFÍSICA DE DEUS

Ele chegou em casa e foi tomar outro banho, ainda cheirava a óleo, a vida é dura se vivida do jeito que deve ser vivida e é ainda mais dura se vivida com metafísica, se tivesse um sonho, se tivesse forças, se tivesse amor…

Sua mulher bate à porta e pergunta se vai jantar agora, diz que sim e que a vida é dura se vivida do jeito que deve ser vivida e é ainda mais dura se vivida com metafísica, se tivesse um sonho, se tivesse amor.

Sentado à mesa olha o jantar, a vida uma hora antes, a vida uma hora depois, a vida agora não importa, não importam o trem lotado, o sexo, a fome. Tudo estava à mesa, cantando aquarelas e trazendo em cada guitarra uma pimentinha boa arretada!

Na rede ao se balançar notou que o cheiro de óleo ainda persistia e debaixo das unhas ainda estava sujo, a vida é dura, forçando-a lentamente pedaço por pedaço, talvez faça sentindo.

A cama fria tem uma mulher quente esperando, ele a olha, sente uma lenta tristeza e a beija, tira com fraqueza as suas roupas, mordisca seu pescoço e levemente morre penetrando-a.

Não dorme ouvindo-a respirar, cada orgasmo que não teve agora inunda sua vida de forma épica, sem poder manter os olhos abertos, ainda acordado, grita com os ouvidos e tenta desprezar-se por ser tão vago.

Levanta-se, guerras, fomes, holocausto de crianças, onde estão as divindades, onde estão os poderes sobrenaturais? Não, não existe Deus, o mundo não faz sentido, não faz sentindo algum! Ladrões e Imperialistas dominam o mundo, homens bons como ele estão fedendo a óleo. O mundo não faz sentindo, se existisse uma Inteligência o mundo não seria essa loucura, esse desastre, o mundo faria sentindo, mas forçando-A lentamente pedaço por pedaço, talvez faça.

Sua mulher dorme, mulher boa, boas ancas – boa parideira –, seios fartos – boa amamentadora –, muito carinhosa – boa mãe –, estéril. O mundo faz sentido? Não, não faz sentido. Crianças morrem de fome, de guerra, de desastre, sua mulher não pode tê-las. Sua mulher é um amor. Nada existe sobre a Terra ou no Céu que explique esse desastre. Talvez um tratamento, talvez dinheiro… Não existem deuses.

O Mundo deve morrer um dia, pois existem palavras para isso em todas as línguas, o mundo não faz sentido, está encaminhando para o fim! The End, C’est Fini, Finito, Findo! Tudo se estraga com o tempo, provavelmente, dizem todos, o amor também, amor coisa tão boa, prova que Deus existe, existiria, mas amor acaba.

Sua mulher, mulher boa, dorme sossegada depois de sexo e orgasmo, o fim do mundo está próximo, o fim do homem é amanhã, nada faz sentido, é o fim de todas as coisas! Morte, a morte, virá, até mesmo para a sua maravilhosa mulher.

Mulher Maravilhosa Mulher Maravilhas Sete Pecados.

Mulher fruto do bem e do mal, sua mulher daria uma ótima mãe, daria se desse a luz, mas não dá, não concebe, mas copula como uma diaba, uma deusa, talvez seja a única Deusa! Tão terrena, tão simples, tão tepeêmica, de mês em mês a ótima mulher, com cara e útero de menina, vira uma diaba boa de cama dorme ela, ótima mulher maravilhosa mulher é o fim do homem acaba com Deus não existe sentido no mundo forçando-o lentamente pedaço por pedaço talvez faça amor, filho, prazer, sonhos, alegrias, talvez, só talvez o forçando lentamente pedaço por pedaço, talvez faça alguma diferença, sentido, existência.

Minha mulher sua mulher nossa mãe, adotar uma criança, fazer tratamento, quem sabe os dois, o primeiro primeiro, o segundo com dinheiro é necessidade, precisa-se imediatamente, urgentemente, trabalha debaixo do óleo ainda fede as mãos, as unhas sujas, sua mulher é um anjo dormindo, antes um demônio.

Talvez a tv tenha respostas, pelo menos para a falta de sono, a televisão não tem metafísica, a vida é dura se vivida do jeito que deve ser vivida e é ainda mais dura se vivida com metafísica, se tivesse um sonho, se tivesse forças, se tivesse amor, se fizesse sentido a vida, mas talvez forçando-a lentamente pedaço por pedaço, talvez faça algum sentido, desastres, guerras, bombas: homens-bombas em nome de Deus não existe, não existe óbvio, não deixaria Deus em seu nome derrubar prédios nos quais há duas semanas procurando corpos-mortos-corpos.

Acharam uma criança de três meses debaixo dos escombros, três vezes quatro doze, doze menos dois dez, dez oito mais dois, oito duas vezes quatro, quatro duas vezes dois, dois meses e meio quando caiu tudo, viva, ainda viva, debaixo de tanta desgraça, de tantos mortos, pais, mães, filhos e terroristas, uma criança sobreviveu intacta, o corpo dos pais absorveram o impacto, a criança não chorava, alimentada e aquecida, não chorava, por isso tanto tempo para encontrarem.

Uma criança sobreviveu, onde está a metafísica disso?

Uma criança sobreviveu, Deus existe!