segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O OGRO


            Era noite e ela já o esperava.
            A menina arregalava os olhos à sua espera.
            As trevas já cresceram e afundavam-se no interior dos seus olhos para que no escuro ela visse tudo.
            De debaixo da cama sairia o bicho-papão.
            Sua mãe lera o livro e terminara o ponto final, fechara-o, beijara-lhe a testa e boa-noitou-lhe.
            Então era só a espera,
                                               longa,
                                                          triste,
                                                                     inacabável.
            Lá fora abocanhava tudo a noite fria e inexpugnável avisando-lhe que seria mais uma vez visitada, queira ou não.
            Um sono de vigília que nunca chegava, o cambalear das pálpebras a fim de fecharem-se, o temor das córneas das pálpebras de fecharem-se.
            Sonhou que fosse uma princesa em alta torre e nos seus fossos distantes dragões potentes e poderosos cercassem sua cela e impenetravelmente nada lhe invadisse violentamente. Teve medo que viessem os dragões lhe perturbar.
            Sonhou que fosse uma borboleta e dali voava, mas à noite borboletas não voam e ficam à mercê dos bichos mais feios e asquerosos. Teve medo que fosse borboleta.
            Sonhou que fosse uma fada com suas asas coloridas e olhudas de borboleta e luzes de vagalumes e gritos agonizantes e audíveis das cigarras todas que brotam das terras e gemem invisíveis das árvores na hora em que o Sol cai. Teve medo que sua luz chamasse os monstros.
            Sonhou que fosse sete coisas perfeitas e lindas. Cada coisa contendo outra coisa e cada coisa contida sendo outra, disfarçada não sendo a primeira.
            A uma de sete era uma flor, e dentro desta flor tinha uma chave que nada abria, mas era em si um enigma, que se girasse de tal forma o segredo da chave pra cima e pra baixo, esta abriria, e lá de dentro sairia um segredo outro irrevelável.
            A dois seria o segredo, um poemeto de quadra em redondilha maior com rima nos versos pares, ao estilo das cantigas antigas populares que sua avó havia de cantá-las. E no poemeto a chave de ser feliz, que não era chave, eram palavras.
            A terceira coisa perfeita e linda que se pensou ser era um cofre, que não era um cofre feito baú ou caixa, era um cofre de menina, coração-rosa-puro, e dentro tinha uma flor que flor não era e que trazia uma chave que não era chave, mas escondia um poema que era uma chave.
            A sua dêsinocência formada não impedia rompantes de criatividade pueril de menina pré-menstruo.
            Sonhou que fosse uma princesa torta montada amontoada em urubus que são dragões que são borboletas que são vagalumes que são cigarras que fingem ser fadas, mas fadas não eram, eram estruturas de prédios, prédios inteiros que não são bonitos nem impecáveis, são o que os prédios são: duros, altos e frios, seres que por não serem não sentem, nem o alívio, nem a espera, nem a dor, nem a tristeza nem a espera. E dentro do prédio tinha outro prédio, que prédio não era, era uma lesma que dentro do prédio caminhava e não se fazia perceber.
            Cinco de sete que se fosse e não era, era o vento e dentro do vento tinha a voz do poema do segredo da chave dentro da flor dentro do cofre. Era nada portanto.
            Um pé que pesava e se arrastava.
            Que fosse um relógio e sempre atrasasse e nunca fosse a hora de todas as noites. E no relógio havia ponteiros feitos todos de brinco de minervas e afrodites e ela não sabendo o que fosse uma minerva ou uma afrodite imaginou e fez que fossem por meio de ser o apenas o que se imagina de ser tipos específicos de flores ou coisas que vêm do mar. E os ponteiros eram apenas os suspiros que abriam os ventos.
            Um bicho grande e enorme adentrou o quarto de três ou mais metros estava nu, silencioso no quarto, era papão, oi papão, boa noite papão, papão, o que foi papão?, e  o silêncio abateu a voz dela e fez O silêncio mudo, que cala toca a perfeição, lindeza e inocência.
            Na sua desinocência formada não residia nenhum assombro de paraíso.
            Sonhou que fosse uma mãe e dentro tivesse amor. Mas amor não fosse amor de comida na mesa, mas amor de ouvir silêncio, o que não era.
            E o ogro devorava-a novamente.
            Toda a noite e no silêncio dos corredores da casa a vizinhança inteira era uma só mudez para os fatos que aconteciam.
            Saberia a mãe dos monstros sob a cama?
            Se sabia o que nada fizera?
            Se não sabia o que nada fazia para não saber?
            Eram sete coisas dentro dela que não eram coisas que são como são, são sete coisas que são outras por aparentarem ser o que não são.
            São sete suspiros, sete segredos, sete engodos, sete salvações, sete confissões, sete perdições, são sete belezas dentro dela, dentro dela e do ogro.
            Dentro dela o ogro.
            Dogro.
            Orgod.
            O susto assimilado pelo ogro era a irracional tortura que fazia em si mesmo e não entendia a id net neo ã neom sem simea izafeu qarutrotlano icarria are orgo olepodal imissaot suso o stuso amadislsio pleo orgo era a ionacrrial tturora que fzaia em si memso e não eentnida.
            São sete coisas escondidas dentro de si: o ogro, a mãe, a estória pré-sono, o relógio, o corredor, as coisas deixadas dentro de si, e si mesma dentro de si, que não é as coisas que estão dentro de si, a não ser as coisas que foram deixadas dentro de si, que são mais do que realmente são por gerarem mais coisas do que realmente são, mas são as coisas que estão dentro de si, mas significam muito mais do que o mero lixo que é e está dentro de si.
            São sete coisas, nenhuma presta.
            Nada portanto.
            O ogro vai embora, a noite converte-se em sono e desgraça para mais um dia de desgraça e sono e uma nova noite de espera,
                                                                        longa,
                                                                                   triste,
                                                                                             inacabável.

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