sábado, 11 de setembro de 2010

DIÁLOGOS DE DOIS GOLS E DOIS GOLEIROS

O futebol tem destas coisas engenhosas, que nos marcam, que nos estranham, que nos faz acreditar em ilogicidades que, no mais das vezes, inexistem.
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Olhemos para um caso típico, o mais típico de todos, quando se fala em ilogicidades, em beleza, em superstições, em estranhesas e milagres, enfim, quando se fala do futebol: o BOTAFOGO.
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Alguns personagens neste ano de 2010 estão se demonstrando imagéticos no quesito estrela, e não é da magia do Maicosuel, da capetice do Jobson, da velocidade do Caio, da garra do Leandro, ou do sorriso gigantescamente branco do pretinho Somália e da sorte de Joel. Não, muitas vezes a estrela solitária resolve fulgir nas mãos de um certo goleiro ou nos pés de um certo cabeceador, por mais que a quantidade de cabelos ateste a diferença entre os dois, e que lhes pese a frieza no momento decisivo como a principal qualidade em ambos.
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Imaginemo-nos então, transportados ao passado, na final estadual do campeonanto fluminense, que provavelmente ficará na mente de muita gente, muito mais do que o título de 2006, 1997 e outros tantos, talvez, quiçá, seja quase tão lembrado quanto o de 1989: este estadual que muitas coisas estranhas aconteceram, como um placar fantasioso, que muita gente gosta de lembrar e eu de nem perceber que existiu, na nossa própria casa, na estreia de um certo gigante da grande área.
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Imaginemo-nos então, neste jogo, dentro daquelas quatro linhas, que momentos levaríamos na memória? Num jogo decidido em pênaltis, para os dois lados, será que há mais justiça do que isso: um duelo quase de cinema de faroeste italiano, com seus matadores, seus gunfighters, com suas enormes e pesadas colts, esperando a batida do meio-dia para o tiro fatal, rápido, com a tensão toda construída no intervalo, no antes, na espera, daí o tiro, daí o fim, daí o garbo eletrizado de quem vence e sobrevive, com os pelos arrepiados ao redor do braço, a nuca eriçada, uma descarga de adrenalina que desce, desce, desce, enquanto se estravasa a alegria conquistada!
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Duas situações idênticas: os dois atacantes de área, frente a frente com dois goleiros reconhecidos por pegar pênaltis, e que no ano já fizeram algumas dessas defesas máximas do esporte bretão. Um, cujo estilo já havera sido estudado a fundo, desenhado, desvendado, saltando antes, para o lado contrário do pé do batedor; outro, conhecido pela sua frieza, que sempre espera o chute mal batido: no gol eram ímpeto contra frieza.
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Os donos das ações, que controlam tudo eram dois gigantes da área, notórios fazedores de gols, ídolos de suas torcidas de origem, titulares das seleções de suas pátrias, um voltando para a casa depois de um momento turbulento lá fora, procurando no conforto do verdadeiro lar o retorno ao triunfo e com o qual ajudou o seu time a ir ao título nacional, o outro, recém chegado, com uma bagagem de títulos e gols bem maior que o adversário, mas menos estrelar, menos badalado, menos caro, menos conhecido. Altos, fortes, cabeceadores, canhotos: um com um canhão no pé, com seus chutes potentes, sobretudo de longe, o outro com um lépido passe preciso de primeira: diante da bola a potência contra a sutileza.
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A história conta-se pela parábola de uma bola, cuja sutileza do atacante menos badalado destruiu a impávida couraça de muralha do impetuoso goleiro mais badalado.Eu no entanto talvez lembrarei mais de como a frieza do homem de azul barrou a potência do homem que dali para diante entraria num parafuso sem fim de problemas e mais problemas, assim como, infelizmento ocorrou com o goleiro adversário. Depois daquele chute, poucos gols, distância da seleção, saída do time do coração pelas portas dos fundos, volta conturbada para a Europa.
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Uma maravilhosa viagem no tempo, um conto que poderia terminar com "FELIZES PARA SEMPRE", mas a vida segue sempre-sempre, temos mais histórias para contar, agora no presente.
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Quis o Deus esférico que comanda o futebol - talvez também o basquete - que o primeiro duelo do Campeonato Brasileiro 2010 (BR10) foi entre os campeões dos estados que dentém, cada, a maior quantidade de títulos brasileiros: São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente. Um jogo de muita vontade, movimentação e gols: 3 x 3, relembrando os grandes confrontos das dácadas de 1950-60!
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Mas o presente - temporal e textual - é para falar do último confronto, um frio, seco, gelado e FEIO 1 x 0! A crônica do jogo poderia ser relatada pelos feitos de dois jogadores recém elevados ao nível de "SELEÇÃO BRASILEIRA": Jéfferson, o homem de gelo que parou a potência de Adriano, e o garoto sensação do momento, a talvez maior revelação do futebol brasileiro dos últimos 3 anos a 5 anos (não ao meu ver, prefiro o companheiro dele que veste a 10): Neymar. Um duelo que se travou do início ao fim do jogo, quantas vezes, três, quatro? Todas firmemente aparadas pelo goleiro - agora de verde -.
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Além de mais duas bolas incríveis: um petardo no primeiro tempo, prontamente afastado com vigor, e um chute que é o sonho de 11 entre 9 centro-avantes: cruzada na área, a dois, três metros do gol, com o goleiro se movimentando: só o que se precisa é enfiar o pé e empurrá-la para dentro, pois, mesmo que a bola seja em cima do goleiro, a distância é tão curta que é praticamente impossível de pegá-la. Praticamente-virtualmente-teoricamente-imaginariamente impossível: Jefferson pegou, só esse movimento deveria ser suficiente para que se lhe escrevessem um soneto!
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Não o digo, todavia que nada lhe passou incólume, uma bola, uma única bola, daquelas de manual, adorada por 9 entre 10 atacantes (estou muito de estatística hoje?), uma bola rápida, rolada por um bom meia por entre os zagueiros, com o ponta entrando em diagonal, com espaço-tempo-perícia para o chute: MORTAL. Seria se não fosse... Jéfferson. Neymar tinha tudo para fazer, chutando com força e precisão por baixo do goleiro, e o não fez porque o pé de Jéfferson - talvez por iluminação divina ou por um daqueles reflexos fantásticos que o permitem antecipar e parar bolas como a anteriormente narradas -, este pé que lhe impulsiona em seus voos, este mesmo pé que... que... às vezes servem errado saídas de bola e que deu um drible de fleuma enorme, em um atacante, sozinho, dentro da área, sim, este pé, que não deixa a bola passar limpa, desvia-a e a coloca lentamente em direção à saída do campo, ao lado da trave; não, a bola não teria entrado, os deuses não permitiriam que Neymar vencesse Jéfferson, e o traçado da bola mostra que não se encaminhava mais para dentro, só que nesta chegava um companheiro do rapaz de branco para empurrá-la para dentro, sem o seu maior defensor, mas o alvinegro Marcelo Mattos bota-a para fora antes que um pecado ocorresse à autação perfeita do 1.
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Mas, infelizmente, o jogo não se contará pela imensa capacidade técnica de um homem que nasceu com reflexos tão apurados. De novo, em outro extremo um outro mestre da área teria que mostrar porque foi escolhido com estrela desde o dia que nasceu, e veio para brilhar mais ainda para o mundo na maior estrela que este planeta possui: BOTAFOGO DE FUTEBOL E REGATAS.
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Contará a história, que neste dia nove de Setembro de dois mil e dez, aos quarenta e cinco minutos do segundo tempo, também conhecido como o minuto final, nonagésimo momento e de pentelho de sapo, neste exato momento: Renato cobra distante e despretensiosa falta no grande círculo, Caio, bom menino, mata no peito e tira um zagueiro num lance magistral de talento puro e faz um cruzamento perfeito, de cabeça erguita, de trivela, sem esticar a perna, mandando uma bola sem peso, a preferida de dez entre dez cabeceadores (lá vou eu novamente com estatísticas falsas), e Edno não faz o certo, não faz o óbvio, não faz o que deveria ser feito: cabecear uma bola desta, açucarada como estava, para o gol; não, ele não o faz, ele age justamente como Abreu faria numa situação desta, e como fez várias vezes este ano, ajeita de cabeça para o outro companheiro melhor posicionado, ou simplesmente com o intuito de matar toda a marcação, e se o matou, foi como um tiro de canhão, deixando Abreu só, para o seu único duelo mano-a-mano com o goleiro santista.
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Esta cena carece, não, merece, parágrafo próprio: A bola não vem tão boa, cai atrás do gigante botafoguense, que - não me perguntem como, afinal ele é achincalhado por não ter "técnica" (na verdade deveria deizer-se HABILIDADE, pois técnica é aquilo que pode ser treinado, e habilidade é inerente) - faz a matada de bola mais difícil que existe no mundo futebolístico: a bola a meia altura com o peito do pé: nós, a ralé, mal conseguiríamos erguer a perna àquela altura, a maioria detentora de tal elasticidade canelaria sumariamente a coitada da deusa esférica, e isso inclui a grande parte dos futebolistas profissionais, mas ele a mata, da forma como ela gosta de ser morta: com calma, parcimônia quase, do jeito certo: com delicadeza, para que ela possa desfalecer obediente ao mestre. Antes de virar, Abreu percebe, com a maior qualidade que alguém pode herdar de jogar basquete - a visão periférica apurada - que o goleiro saía, diga-se de passagem, perfeito do gol. Com o que falo agora, seria a mesma frieza e o mesmo toque qualificado na bola que mataram Bruno meses antes, não sei se o fora, mas foi isso mesmo: a frieza de coração digno de um personagem de Clint num filme de Leoni. Com a destra - e olhe que o "homem-sem-técnica" é canhoto - encobre (deixem-me soletrar de forma bem afetada e melodramática agora, e com letras capitais é claro, o momento pede, precisa, bem na verdade só o permite, eu poderia ser bem mais límpido no texto, mas, às vezes, sobretudo no futebol, quando vemos gols como este, limpidez não é bom o bastante) MI-LI-ME-TRI-CA-MEN-TE o goleiro, nem alto demais que a bola se perdesse no céu, nem ao chão que a mão certeira e alongada do goleiro a tiraria, só o exato, o certo, o preciso, o economicamente apurado...; e então, um chute seco, forte, potente, poderoso, uma bomba clássica, como um tiro de um pistoleiro, como um relâmpago, para impedir que o zagueiro chegasse nela: REDE ESTUFADA. Gol grito galera, companheiros saltados em cima, expectadores embasbacados, um estádio calado, narrador, comentarista exaltados, nós em lágrimas, eu, bem, eu erguido, braços para cima, calado, como que, inconscientemente mimetizasse a pose de Hécules-vencedor, de Perseu com a cabeça de Meduza ou David com a cabeça de Golias... eu, calado, olhos vermelhos, braços para cima, de pé, parado, parado, sem poder gritar, sem falar coisa alguma, eu devo ter visto Abreu perder aquele gol quatro vezes: no toque um pouco forte demais, na matada difícil, no "banho" no goleiro, no chute forte antes que a bola tocasse o chão, o chão que talvez sujasse a bola deste homem que nasceu para os ares, para as estrelas, para A ESTRELA, e eu... e eu mortificado, até a agonia final dos últimos três minutos... os últimos três minutos mais arrepiantes que me lembro de ter passado...
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Há, no último instante de jogo, Abreu ainda afasta de cabeça uma bola alçada na área contra o gol do Botafogo.
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O futebol tem destas coisas, de nos impressionar com estes mínimos, como um golzinho perdido num jogo qualquer de meio de campeonato...

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