sábado, 17 de março de 2018

PROFISSÃO: PROFESSOR, IMPORTÂNCIA SUBSIDIÁRIA


Nesta sexta, os meus alunos da 2ª Série do Ensino Médio resolveram perguntar-me como é a vida de professor, em quantas escolas dou aula, quanto turnos eu pego, quanto é a base salarial de professor concursado de escola pública (“Vixe, professor, é tão pouquinho!” “Professor é a profissão – ‘odeio esta cacofonia’ – de ensino superior que, provavelmente, tem o salário menor no serviço público brasileiro.”), e como eu sou este tipo de professor que acredito que o conteúdo é subsidiário (usarei várias vezes esta palavra no texto) à formação cidadã e intelectual, resolvi entrar no debate, sobretudo quando uma moça (Kassandra) lançou o chavão: “E professor é tão importante, não é? Só tem médico porque tem professor.”

Embora reconheça a verdade inerente nesta assertiva, me preocupa muito esta relevância que nos dão que eu chamo de “importância subsidiária”. “Entenderam o que eu quero dizer com ‘importância subsidiária’?” Aqueles olhares vazios vieram para mim, cabeças balançando em negação, eu tento uma, duas, na terceira, vamos à analogia:

Pneus são muito importantes. Sem eles os carros não rodam, se estão desgastados, podem causar acidente. Todos concordam. “O que é importante: o carro ou os pneus?” Isto é o que eu chamo de “importância subsidiária”.

Se professor é importante porque está na base da formação do médico, ou do advogado, ou do engenheiro, a nossa profissão torna-se subsidiária. Neste caminho, o professor de escola é desnecessário, pois só importa quem forma o médico, o advogado e o engenheiro. Mas, um advogado, antes de ser advogado, antes de ocupar este lugar social, ocupa o lugar social de cidadão, de filho, de pai, de marido; uma engenheira, antes de ser uma engenheira, ocupar o lugar social de seu trabalho, ocupa também os lugares de cidadã, de filha, de mãe, esposa.

Não, a função de professor é na formação cidadã, ética e estética das pessoas. Um professor de língua portuguesa não serve para instruir as regras de ortografia (eu tenho uma ótima notícia para a maioria: “editores de textos” têm a função “corretor ortográfico” que é um método mais rápido e mais eficiente do que perguntar a um professor). A função de um professor de língua portuguesa é mostrar as variações linguísticas e, a partir disso, debater os preconceitos decorrentes destas variações e como se adaptar ao lugar social que, como sujeitos, ocupamos; como os gêneros textuais são usados e com qual interesse; a reconhecer as intenções discursivas por trás de todas as falas; a identificar as formações ideológicas que produzem os discursos; a compreender os contextos de produção que originam os mais variados textos; e criar um senso ético e estético a partir do estudo da nossa formação literária.

É para isso que serve um professor. Um gari é importante porque mantém a cidade limpa e higienizada para as pessoas. Um motorista é importante porque leva as pessoas. Uma enfermeira é importante porque cuida das pessoas. Um médico é importante porque trata a vida das pessoas. Um advogado é importante porque garante os direitos das pessoas. Um engenheiro é importante porque constrói coisas para as pessoas. Um trabalhador é importante enquanto produz para a sociedade, isto é, a sua função social perante outras pessoas.

Uma professora, um professor, são importantes porque formam pessoas. Isto é, transformam seres humanos em gente.

17/03/2018

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