terça-feira, 19 de março de 2019

RESILIÊNCIA


Finalmente, hoje foi o dia de eu ter aquela conversa com meu filho. Daqui a um mês e quatro dias, ele completará doze anos e aquelas dúvidas de crianças voltaram para ele e, portanto, é hora de explicar com palavra de verdades, para um rapaz capaz de compreender a sua realidade o maior dilema de sua vida: “Filho, você tem TEA.”

Foi dolorido para o meu coração, foi, com certeza, a realidade infantil se desfez, não havia como manter a fachada de mundo colorido. Quando mais criança, as dúvidas eram: “Por que não consigo jogar futebol com os outros meninos? Por que os coleguinhas não são meus amiguinhos?” Depois: “Por que os coleguinhas ficam mexendo (bullying) comigo?” E o Heroico: “Não chorar mais, papai, eles podem mexer comigo o dia todo que eu não vou chorar, nem gritar na escola. Nem vou bater nos coleguinhas!” Prometeu e cumpriu, por mais difícil que fora não chorar quando te perturbam, sabendo que suas dificuldades sócio-emotivas deixam suas emoções tão à flor da pele: quando alegre, pula de alegria; quando brabo, briga; quando triste, desmancha-se em lágrimas.

Por mais difícil!

Por mais difícil que fosse para eu ter que conversar com ele que ao mesmo tempo que tem que se defender e não deixar ninguém humilhá-lo assim e, na escola, isso significa denunciar os bullies à professora, à coordenadora e à direção (o que fez); ter que também ensiná-lo resiliência, suportar as injustiças porque as pessoas quererão fazê-lo mal, hoje na escola, amanhã na Universidade, depois no trabalho, sempre na rua, às vezes em casa.

“Mas por que mexem comigo?” Como explicar o porquê que vai sofrer (todos nós vamos, mas você talvez mais), sem detalhar as reais causas (não queríamos que muito cedo se sentisse incapaz de qualquer coisa)? Como explicar o que você também está aprendendo a lidar? O que você também tem que vencer: o seu próprio preconceito?

Preconceito que você não sabia que tinha, mas tem, normalmente como condescendência, normalmente como piedade! Nada de piedade, mas oportunidade para desenvolver-se num ambiente saudável e estimulante. Algo que como família sempre tentamos oferecer. Não porque fôssemos ótimos pais, mas porque somos pais. Quantas vezes tive que mudar meus horários nas escolas para me adaptar às suas terapias, quantas horas-aulas (o que significaria mais dinheiro para casa) tive que abdicar para levá-lo? Não porque sou um ótimo pai, mas porque sou pai. Lá, conheci pessoas realmente castigadas, mães que dependem do BPC para botar comida na boca do filho e levá-lo em ônibus lotados e mal adaptados. Perto delas, às vezes parecia até negligente.

Mas, os questionamentos voltaram: “Por que tenho que tomar este remédio todos os dias se não estou doente?” “Ajuda você a se concentrar na escola.” No sábado: “De novo, hoje não tem escola!” “Você precisa tomar todos os dias, ou perderá o efeito.” Então, hoje pela manhã, levando-o para a escola tivemos que conversar.

Eu, muito doído, expliquei da forma que pude o que era TEA, as dificuldades de seu nascimento; das dificuldades motoras que apresenta, tanto na coordenação grossa, quanto na fina; das dificuldades sócio-emotivas, de fazer amigos, de como suas emoções explodem fácil! Como resumir tanta coisa em apenas vinte minutos?

Por mais difícil que fosse para eu ter que conversar com ele, destruindo toda a realidade infantil, esta fachada colorida de mundo que eu mantinha. Meu filho aprendeu bem a lição de seus colegas e de seus pais: resiliente, ouviu tudo, demonstrou compreender e não se importar.

Talvez fosse só o que lhe faltava: este fulcro para organizar a sua narrativa. Ainda falta conhecer as condições de seu nascimento, para compreender as relações causais de sua vida. A partir de agora, um jovem que começa a se formar, poderá contar a sua própria História, poderá se compreender, com a mesma resiliência sua de todos os dias.

Por mais difícil que seja a vida de cada um de nós, sobretudo dos que não são donos de suas próprias narrativas.

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