Finalmente,
hoje foi o dia de eu ter aquela conversa com meu filho. Daqui a um mês
e quatro dias, ele completará doze anos e aquelas dúvidas de
crianças voltaram para ele e, portanto, é hora de explicar com
palavra de verdades, para um rapaz capaz de compreender a sua realidade o
maior dilema de sua vida: “Filho, você tem TEA.”
Foi
dolorido para o meu coração, foi, com certeza, a realidade infantil
se desfez, não havia como manter a fachada de mundo colorido. Quando
mais criança, as dúvidas eram: “Por que não consigo jogar futebol
com os outros meninos? Por que os coleguinhas não são meus
amiguinhos?” Depois: “Por que os coleguinhas ficam mexendo
(bullying) comigo?” E o Heroico: “Não chorar mais, papai, eles
podem mexer comigo o dia todo que eu não vou chorar, nem gritar na
escola. Nem vou bater nos coleguinhas!” Prometeu e cumpriu, por
mais difícil que fora não chorar quando te perturbam, sabendo que
suas dificuldades sócio-emotivas deixam suas emoções tão à flor
da pele: quando alegre, pula de alegria; quando brabo, briga; quando
triste, desmancha-se em lágrimas.
Por
mais difícil!
Por
mais difícil que fosse para eu ter que conversar com ele que ao
mesmo tempo que tem que se defender e não deixar ninguém humilhá-lo
assim e, na escola, isso significa denunciar os bullies à
professora, à coordenadora e à direção (o que fez); ter que
também ensiná-lo resiliência, suportar as injustiças porque as
pessoas quererão fazê-lo mal, hoje na escola, amanhã na
Universidade, depois no trabalho, sempre na rua, às vezes em casa.
“Mas
por que mexem comigo?” Como explicar o porquê que vai sofrer (todos
nós vamos, mas você talvez mais), sem detalhar as reais causas (não
queríamos que muito cedo se sentisse incapaz de qualquer coisa)?
Como explicar o que você também está aprendendo a lidar? O que
você também tem que vencer: o seu próprio preconceito?
Preconceito
que você não sabia que tinha, mas tem, normalmente como
condescendência, normalmente como piedade! Nada de piedade, mas
oportunidade para desenvolver-se num ambiente saudável e
estimulante. Algo que como família sempre tentamos oferecer. Não
porque fôssemos ótimos pais, mas porque somos pais. Quantas vezes
tive que mudar meus horários nas escolas para me adaptar às suas
terapias, quantas horas-aulas (o que significaria mais dinheiro para
casa) tive que abdicar para levá-lo? Não porque sou um ótimo pai,
mas porque sou pai. Lá, conheci pessoas realmente castigadas, mães
que dependem do BPC para botar comida na boca do filho e levá-lo em
ônibus lotados e mal adaptados. Perto delas, às vezes parecia até
negligente.
Mas,
os questionamentos voltaram: “Por que tenho que tomar este remédio
todos os dias se não estou doente?” “Ajuda você a se concentrar
na escola.” No sábado: “De novo, hoje não tem escola!” “Você
precisa tomar todos os dias, ou perderá o efeito.” Então, hoje
pela manhã, levando-o para a escola tivemos que conversar.
Eu, muito doído, expliquei da forma que pude o que era TEA, as
dificuldades de seu nascimento; das dificuldades motoras que
apresenta, tanto na coordenação grossa, quanto na fina; das
dificuldades sócio-emotivas, de fazer amigos, de como suas emoções
explodem fácil! Como resumir tanta coisa em apenas vinte minutos?
Por
mais difícil que fosse para eu ter que conversar com ele,
destruindo toda a realidade infantil, esta fachada colorida de mundo
que eu mantinha. Meu filho aprendeu bem a lição de seus colegas e
de seus pais: resiliente, ouviu tudo, demonstrou compreender e não
se importar.
Talvez
fosse só o que lhe faltava: este fulcro para organizar a sua
narrativa. Ainda falta conhecer as condições de seu nascimento,
para compreender as relações causais de sua vida. A partir de
agora, um jovem que começa a se formar, poderá contar a sua
própria História, poderá se compreender, com a mesma resiliência
sua de todos os dias.
Por
mais difícil que seja a vida de cada um de nós, sobretudo dos que
não são donos de suas próprias narrativas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário