E o futebol venceu.
Venceu como deveria ter vencido,
como um herói que é.
É de nossa natureza, traumática e
fraca, querer torcer pelo vira-lata – menos quando somos os torcedores do time,
é claro, todos querem seus times imbatíveis –.
Ao que me consta, pobremente, só
dois times foram invencíveis. A Seleção brasileira com Pelé-Garrincha, e a
Seleção brasileira de 69 e 70. O resto, todos perderam uma hora ou outra.
Agourento, o grande e genial
Jonathan Wilson já previra, no início da temporada, mesmo à despeito da genialidade tática e estratégica de Josep Guardiola, a queda do Barcelona,
por causa da “maldição dos três anos”, isto é, NENHUM time resiste a três anos,
ele se desmancha. As alternativas são simples, ou se muda o técnico e
preservam-se os jogadores, ou mudam-se os jogadores e preserva-se o técnico.
Ora, o Barcelona optou pela primeira opção. Do time de Frank Rjikard, bicampeão
de La Liga e
ganhador da UCL, o time está quase todo ali, o mesmo. Messi era titular naquele
time, Xavi (ainda visto como primeiro volante apenas) e Iniesta eram reservas
de luxo. O capitão já era Puyol, Valdés comia de vez em quando os seus
galináceos e outras vezes fazia defesas quase estupendas. O Arsenal e o
Manchester United optaram pelo segundo, mantém o técnico – e com ele os seus
homens de segurança, o que seria de Sir Fergusson sem seu Giggs, por lá a quase
tanto tempo quanto o professor escocês –, roda o elenco, para que em 4 anos, o
time seja praticamente outro.
Não é o fim de uma filosofia, mas
o é de uma era! Não acho que o Guardiola fique. E sem ele vai-se a Magia. É
certo que o time continua sendo excepcional, como era maravilhoso o time de
Rjikard, mas o time do holandês, mesmo na fase em que chegavam a comparar
Ronaldo Assis com Pelé, não é do mesmo nível que ESTE Barcelona. Eu sempre fui
categórico: Nem o Barcelona joga igual ao Barcelona O que Pep cunhou nos
corações e almas dos amantes de futebol foi outro nível, algo que não se via,
há pelo menos 3 décadas – o próprio Barcelona do qual fez parte e foi campeão
da Champions, ou até mesmo o grande Milan de Arrigo Sacchi –, ou até mesmo 4
décadas – o Flamengo de Zico –.
É, acima de tudo, o fim porque a
fórmula se foi. E hoje (24/04/2012) foi a prova cabal. A estratégia de Guardiola
sempre foi clara: em seus 4-3-3 com Eto’o no centro do ataque, Henry na ponta
direita e Messi na ponta esquerda. Ora, Henry e Messi entravam na área o tempo
todo. Mas o pulo do gato foi quando Pep resgatou o falso 9 de Puskás. Messi foi
pro centro, Eto’o pra direita.
Guardiola trouxe Ibrahimovic para
que o time tivesse força de área (e aérea). Mas não deu certo. Perdeu-se a UCL.
Pedrito apareceu, bancou-se Ibra. Atacantes continuavam entrando, Messi fazia o
vai-e-volta no centro do ataque, ora o time era um 4-3-3, ora um 4-3-1-2, e a
defesa ficava zonza.
Henry foi embora, veio David
Villa. O sistema ficou ainda mais perfeito, mais sincronizado. Messi saia,
entravam Villa, Pedrito (que já virava Pedro) e Iniesta dentro da área. Messi e
Xavi davam passes açucarados. Messi chutava de fora da área indefensáveis
mísseis teleguiados.
Villa quebrou a perna, trouxeram
Alex Sanchez e Fábregas (para substituir o envelhecido Xavi, que não joga mais
como antes). E chegou-se ao fim. Ao mesmo tempo que louvávamos o fato do
Barcelona jogar com 8, 9 ou até 10 jogadores da base (dependendo se jogam os
laterais brasileiros, ou Abdal, ou Alex Sanchez), nós víamos que a qualidade
caía.
A teoria era simples: Villa na
direita, Messi no centro e Alex na esquerda. Alex joga melhor no centro, é 9 de
verdade, mas fazia muito bem a função. Villa não se recuperou, e não se sabe se
continuará no time. Sanchez não está 100%.
E chegamos finalmente a hoje.
Nesta semifinal, o Barça (no 3-1-3-3, chegando ao ápice de 3-3-4), jogava com 4
homens à frente de Messi, mas sem infiltradores. Fábregas na direita (depois
Keitá no centro), Sanchez e Iniesta no centro, Cuenca (depois Tello) na
esquerda. Depois Iniesta veio pro meio campo e Dani Alves ficou aberto na
direita.
E quem infiltrava? Ninguém. Ora,
a entrada de Keitá – volante – deveu-se justamente ao fato do time catalão só
jogar com chuveirinhos, e, no banco, o gênio Guardiola não tinha nenhum
centro-avante grandalhão que entrasse e tivesse presença de área (como Mário
Gómez no Bayern de Munique).
E isso ocorreu porque o Chelsea novamente cedeu um campo estreito pro Barcelona jogar e travou completamente a
entrada da área.
Neste contexto, os blues aproveitaram-se
do fato do Barça ter totalmente o centro e, desta forma, instintivamente,
flanqueava-se a si mesmo. Assim, acelerando pelos cantos, com Ramires e Torres
(e antes dele Drogba), os londrinos marcaram os gols em contra-ataques
lateralizados, aproveitando-se desse natural afunilamento do time blaugrana.
(Muitos falaram da tática de Di
Matteo lembrar justamente o de Mourinho com a Internationale, inclusive, com 1 a menos, ter colocado o
centro-avante de lateral esquerdo, utilizando as costas de Dani Alves pro
ataque lateral. Mas vale lembrar que a tática de Guardiola foi a mesma. Na
falta de centro-avante, ele usou, antes, Pique de 9, e hoje foi Keitá)
Era a diferença que fazia o
lesionado David Villa, a infiltração. TODO MUNDO está dando as pontas pro
Barça, e fechando com 2 volantes à frente da grande área. O falso 9 de Messi acabou
se tornando inútil, El Pulga tem agora que passar por 4 ou 5 defensores, ao
mesmo tempo que ninguém entra dentro da área pra matar as jogadas.
A grande jogada de Messi, durante
todo o jogo, foi justamente como um 10 clássico, encontrando um infiltrador pela
esquerda, no caso o Iniesta, e dando o passe perfeito pra este finalizar. Ressaltemos
também a inteligência do 8 para esperar o momento certo e impedir de entrar em
impedimento.
Da mesma forma, louvar Ramires por
seu golaço. O difícil no seu gol não foi a conclusão – treinável –, mas
justamente a desaceleração: ao dar a bola a Lampard e correr pra receber na
frente, o 7 azul simplesmente para a corrida a um passo da grande área, para
poder visualizar completamente a jogada. Reitero, o mais difícil e incrível da
jogada foi não se empolgar de vez e tentar uma bobagem, mas manter a calma,
desacelerar e finalizar com qualidade em frente ao goleiro.
De modo contrário, abrir o olho para o grande carrasco catalão, Fernando Torres. Com este tento, soma 8 golos em cima do time azulgrená. Sozinho contra Valdés deveria, mas o drible que El Niño deu sobre o goleiro barcelonista foi muito errado, a quase três metros de distância, se Valdés fosse outro teria ficado de pé e dado o bote nas pernas de Torres. Mas o goleiro blaugrana é assim, quase leva um gol de Drogba de antes de linha de meio, e cai antes do drible. Talvez, aos olhos de Abramovic, este gol tenha valido os £50 mi investidos e que não deram fruto, principalmente se o Chelsea for campeão lá em Maio.
Faltam PEÇAS ao Barça, faltam mesmo,
o time não tem banco a altura. A grande geração está aí, acabando. Xavi
(envelhecido) e não dando mais conta do recado como antes, Fábregas (que veio
pra substituí-lo), Iniesta e Messi são realmente acima da média, mas se um
deles está mal (como Xavi nos últimos jogos, e Fábregas consigo), quem entra
pra mudar alguma coisa? Tello, Cuenca? Quem pode ainda dar um caldo é o Thiago.
La Mazia está na entresafra, esses garotos vão dar frutos assim como Pedro deu,
Pedro que não é nenhum grande jogador, mas que tem qualidade para ajudar a
formar um grande time.
Mas quando se chega na fase em
que o jogador que fez gols em todos os títulos de 2010, de um time que ganhou tudo
possível – inclusive a copa do mundo – e ele acaba por se tornar banco para Tello,
que é, por sua vez, reserva de Cuenca, vê-se aí o ponto nevrálgico do problema.
O Barça vai se reerguer, com
certeza. La Mazia continuará a produzir grandes jogadores e alguns craques. E
provavelmente terão uma geração quase tão boa quanto esta. Mas o ciclo vem em declínio.
Resta saber, então, se Guardiola
irá conduzir esta renovação, ou se a renovação se dará em outro sentido, com
outro treinador, não tão comprometido filosoficamente com a escola de Cruyff.
Mas enquanto isso, só o futebol
vence, quando mantém essa aura de imprevisibilidade. Esporte cujas regras
permitem que um time fique o tempo inteiro se defendendo (no vôlei isso é
proibido, no basquete, no futebol americano, no beisebol etc.) e que criou uma
peça assaz interessante: o goleiro. Não importando a disparidade entre os times,
um goleiro em noite inspirada (como foi Cech no jogo de ida) pode mudar
completamente o resultado de uma partida. Por isso se diz (embora seja uma meia-verdade)
que só neste esporte é possível que o mais fraco vença o mais forte (o que
também não é um acontecimento comum).
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