segunda-feira, 24 de outubro de 2011

TUDO QUE É SÓLIDO SE DISSOLVE NO CÉU


Todos os homens queu conheço
Querem me dar alguma coisa
Nem que seja um demônio preu beijar.

Eu acordo de manhã
Onde estão meus olhos ouvidos e bocas?
Jogo fora da cama meu passado
e sem peso algum levanto-me como um bisão abatido
meus filhos, onde estarão meus filhos?
Eu não tenho filhos! Não ainda.
Todos os homens do mundo são meus irmãos, meus filhos, meus pais,
e todas as mulheres são os meus orgasmos.
O dia inteiro de uma vida perdida
5cm antes e 5cm depois
o relógio seria outro momento
no meu pulso 5cm valem o tempo suficiente de nascer,
morrer, copular, conceber;
Onde está a vida?
No meu pulso? Onde estão a vida?
Com certeza não está na pontuação,
a pontuação é uma representação falsa das modulações da fala,
mas a pontuação não marca
o andamento da minha canção.
Tu podes ouvir minha canção? Sentir meu ritmo,
os pés do meu andamento, a minha melodia?
Ritmo sem metro
melodia sem rima
mas ainda assim uma canção
uma bela canção.
Eu ainda não levantei a cabeça
muito menos levantei-me da cama
o resto da minha vida
nasceu esta manhã
mas já estava de pé
era minhalma quem dormia
pode ficar aí, deitada, para sempre
eu não me importo
nunca me importaria
A minhalma não é minha canção
talvez meu corpo a seja
o que é minha canção?
Nesta manhã, do fim da minha glória,
procuro saber cada unha dos meus afazeres
tomar banho, tomar café, tomar bala
ah seu morressoje!!!
Minha roupa negra, minha casa branca,
a cozinha pequena de pouca comida,
o banheiro cheio de fezes, descarga quebrada,
os centímetros quilométricos entre minha casa
e o ponto de ônibus
            o resto da minha vida
vivida numa fila
café puro, sem leite, sem pão sem manteiga,
sem prazer sexual
não terei filhos
todas as mulheres do mundo são meus orgasmos,
o que serão das prostitutas?
Podes tu ouvir minha canção,
a canção da latrina entupida, do chão rachado e do ônibus lotado?
A minha canção sem violão, rabeca ou pífanos,
 ritmo sem zabumba,
óia, óia, eis minha canção,
canta e goza!
Aquela mulher bonita sentada naquela poltrona do ônibus
que me despreza com os olhos
olhai o poeta olhai, está morto, sem alma
o poeta é um vampiro, uma múmia
Àquela mulher bonita sentada naquela poltrona do ônibus
o meu flato mais gostoso,
o poeta é um golem de carne:
“Frankenstein, ouve minhas palavras eloquentes!”
Sabes quem eu sou? Sabeis que eu sou?
Sou um pobre
Tirai-me, tirai-me, morrerei...
Cai um, cai outro, as balas continuam,
esquivo-me,
ou ainda acho que me esquivo,
abaixo a cabeça, corro de um lado a outro,
cai um homem ao meu lado,
cai outro a distância,
tiros, tiros, tiros, por toda a parte
matam-nos
Sabes quem eu sou? Sabeis quem eu sou?
Sou um poeta.
Meu ônibus pára, será estímulo clitoriano?
Desço, onde estará meu emprego?
No lugar de sempre
                   sempre esperando orgias.
Sexo é a base da vida, sexo é a base do sistema,
Sexo é governo, amor é inverossimilhança artística,
amor é poesia
esqueça-o, esqueça que o amor existe,
Sabes quem eu sou? Sabeis quem eu sou?
Podes ouvir minha canção? Podeis ouvir?
Meu violão descordoado, desafinado, desentonado
serve de batuque e me dá um ritmo impressionante!
Está a vida na sintaxe? Na morfologia? Fonética?
Está a vida na semântica?
Não, a vida está na vida.
Onde está o meu prazer?
Está na vida, óbvio.
Minha mulher, minha esposa, minha masturbação,
pedras e fezes
              fezes congeladas são armas
                                                armas de fogo são
covardia
tiros de longe, muito longe, donde vêm os tiros?
Meu amigo
meu melhor amigo
está morto
esquivo-me
ou antes acho que me esquivo
eu estou morto
              morto como um fantasma
um corpo penado
minha mulher, minha esposa, minha ilusão,
Todos os sonhos de um homem acabam-se
desaparecem
os sonhos fúteis eólicos
com o sopro de uma pólvora apagando uma vela
Meu sangue é fluido esparso
                       líquido sagrado
saindo das veias em todas as direções
Podes sentir meu sangue? Podeis sentir?
A minha própria sombra pobre pode
Meu melhor amigo são todos os homens
Meu melhor amigo são todos os cadáveres
Monto a minha libélula
Armado com a lança de São Jorge
E torno-me o terceiro cavaleiro
São João
São João
            estoura foguetos estouram
na minha cabeça ao lado
no meu amigo peito
nos homens que estão no chão
na arma apontada para meu olho há-de estourar
o resto da minha vida vivida numa fila
No caminho eu vi
e estava lá para eu ver
ah meus augustos augúrios
uma ave numa árvore trepada do mangue
uma garça branca empoleirada num manguezal verde
Triste homem que se dilui
oh meu sangue líquido esparso
minhas veias não são-te suficientes para conter-te
rasga-me a pele, estoura minha carne, quebra meus ossos,
triturai
   triturai
      triturai
      três vezes meu espírito
ele clama, ele pede, expele-ex-pele-ex-carne-ex-alma
ex tudo, ecce tutti,
meu amor, minha mulher
que nunca me dará um filho, que nunca se dera a mim
Olhai meu corpo. OLHAI!!! Porra,
deixai-me morrer
Podes sentir meu espírito? Podeis sentir?
Sou teu marido= corpo, alma, espírito
Voa, voa, pássaro maldito
nas asas do carcará
nas asas da harpia
Estuprai-me oh vida
Fazei de mim tua prostitua
Tomai meu corpo quando quiseres
beijai-me
Podes amar-me? Podeis amar-me?
Se não só me possui.
Eu sou teu vida
tua mulher, teu orgasmo
teu filho.
A arma ao olho meu
a cada bala atirada para cá abaixo-me
tirai, tirai de minha direção
tenta manter a consciência
entre mim e ti
quem sou quem és?
Meu emprego, numa fila vivo meus últimos,
onde estão todos?
No chão mortos
A arma ao olho meu
Todos têm um significado
E eu não sei o meu.
Sabes o teu? Sabeis?
Eu sou uma pérola
A minha vida é uma ostra
Quem dera fosse diamante
E a prova de balas
ser mais duro que o chumbo
e não chorar mais.
Eu estou descendo do ônibus
andando até a esquina
encontrando um amigo
meu melhor amigo dilui-se pelo ar como fuligem
apertando sua mão
dizendo alô até logo como vai que bom rever
Você___ cai ao meu lado
outros homens caem ao meu lado
banco lotado
o resto da minha vida vivida numa fila
Dobro aquela esquina última da minha vida
perdido
Deixai
Deixai-me aqui na esquina desta curva
esparramado neste momento
                  dêxtaseterno
tirai, tirai de minha direção
      atirai
Estou dissolvido em minha própria existência
quereria suprir minha própria vida
Todavia supero-me
quero viver
pois a vida, escondida nos detalhes,
ainda é deliciosa
             como uma caixa surpresa de chocolates
por mais amarga
            ainda é crocante
A vida me ama com um sadismo doce
ESTUPRAI-ME OH VIDA!
E arromba-me com tua energia libidinosa
tirai-me de tua essência
e aceitai-me como igual
Nós somos iguais
eu tal qual tu
não estou em lugar algum
a não ser em mim mesmo.
Só em mim me encontro
como uma lótus que se curva
como um girassol
                      à procura do relógio
5cm e eu não estaria aqui
             numa fila de banco
intangível às balas e às palavras
invulnerável aos sentimentos e aos desejos
meu amigo, meu amigo
dissolvido em seu próprio sangue esparramado como se fosse seu esperma
vida enche-me
       queu chupo e sorvo teu sêmen.
Entristeço-me  
       rasgo-me
meu emprego - soldado do sistema
numa fila frágil que se dispersa
uma sombra que mentope.
és tu vida?
Mas tua ausência é a essência de minha dor
como um cigarro, como um vício,
um trago de vinho tinto
se transforma transmutado em vinagre.
és tu vida!
Um prazer momentâneo me invade agora
não temo mais a arma ao meu olho,
não temo o precipício às minhas costas,
não temo perder-te oh vida,
pelo contrário, cada fração de tempo que os
ponteiros me dão,
sinto-te tão intensamente perdida em mim
e sei agora,
tu me foste amante o tempo inteiro.
e tivemos um filho
deste-me tudo o queu tinha
nosso filho chamo Prazer,
chamo Felicidade,
pois de ti aproveitei
o máximo docemente.
E agora, quando a bala
penetra meu olho,
atravessa meu crânio,
despedaça meu cérebro,
joga fora meus miolos,            
eu sinto que não é ela
mas tu quem me invade
quem me torna mais amplo
Não, não é suicídio o prazer na morte.
é prova de amor pela vida
amor, amorte
          amo-te vida.
Não, não te direi adeus,
direi: vem comigo perder-se,
direi: vem comigo dissolver-se,
pairemos no ar
como duas aves e nos beijemos
e nesse momento tornar-nos-emos completos
eu contigo, comigo tu,
e flutuaremos pelo espaço como se não houvesse tempo.
           




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