quinta-feira, 6 de outubro de 2011

DE CAÇAR BICHOS E HOMENS


Como ando muito ocupado na preparação de meu projeto de doutorado, há semanas não posto nada nEste Canto. Ora, então vai lá um "conto de tese", isto é, um texto produzido concomitantemente com minha dissertação de mestrado, ele é produzido a partir da análise do livro que eu trabalhei, O tronco, de Bernardo Élis; assim, este conto enfoca aspectos não só analíticos, mas de certa forma simula o estilo do escritor amalgamado com o meu, além de retomar aspectos por mim elencados analiticamente dentro do romance, como o "cativeiro jagunço", isto é, o jagunço como um escravo do coronel em pleno século XX, e a necessidade/vontade do vaqueiro de se libertar desta "prisão" (o "sistema jagunço", no termo de Walnice Nogueira Galvão) em que ora se encontra. Espero que gostem:
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            O nheco-nheco da rede ecoava o silêncio da madrugada junto do pio frio de bicho agourento da coruja, de certo procurando morcego na noite, e o cabra ali, balançando o corpo, as ideia, cabra num é pra remexer ideia, cabra é pra remexer chão, o cigarrim de palha ali brilhando, acedendo e apagando que nem caga-fogo, cabra é pra o de-cumprir, nem é de pensar não-nada, a rede lá, balançando o corpo do cabra, cabra é de viver o tão-somente, oxe, e o de amanhã, né na lide do gado, oxe, mas ora!
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            Era nada! O de amanhã era roça de outro tipo, de bala e estripulia, vê se ele era do cangaço, era nada, esse menino!, ser mais um da jagunçama?, vê se pode!, Tigre ali roía um toco de osso só pra se fazer que está acordado ouvindo, mas o que prestava atenção era na coruja, que gosto tem coruja?, osso de coruja é ruim de roer feito o de galinha?, oh ossim chato esse de galinha, o cabra morde e ele se desmancha, parece nem osso, oxe!
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            Os capanga do coroné veio onte de manhanzizinha cedo, pra dar o refle, clavinote é pra matar passarim e calango, home esse bichim, matar homem é cum repetição, e home, qué queu vou fazer com repetição, não sou de matá home não, seu moço?, Vixe, espia só, que o cabra é frouxo! Não é pra matá ninguém, não. O amo vai lá pras banda do Santo Antônio, a mó de conversar mais o coronel de lá, a gente só vai é de garantia de conversa, mermo.
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            Num vê que essa história é má-contada! Tigre alevantado, as oreia em pé, era nada, a maldita coruja calara-se, de vero pegara um morcego em pleno voo, Tigre num sabe é de nada! Ele fica aí bestando com esses negoço dele e que fica e que fica, problema, Tigre, é que de amanhã quem conversa é refle e repetição, home fica calado, fazendo mira, nessas hora, home é menos que bala!
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            Meu chamego não é arma não, que nem sou de pular ligeiro, nem sei fazer reza braba, nem tenho mais mãe que pida por mim pra que feche meu corpo, meu chamego é moda de viola, e morena de cabelo prefumado.
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                                   Ai morena, dos cabelo
                                   Preto, liso e prefumado,
                                   Vai lavá roupa no rio,
                                   Pra eu ser teu namorado!
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            A voz de moreno assanhado buliu os pelo de Tigre, arrupiou ele tudo, meio que veio pra fazer o bichim dormi que tava meio acabrunhado.
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            Vento veio e foi, mas a ideia num é que ficou! Lá pras banda de lá, meio que caindo pro oeste do São Francisco teve lá aquela briga feia pras bandas do Duro, os grandão se comendo tudo na bala, aí os pequeno feito ele tudo fugido de mansim mansim no mei da noite, largando tudo de troço e trem pra trás, oxe, e nera isso! Ia de arribada, descia com tudo, quem que ligava?, fossem procurar ele no rancho de manhã de menhanzinha e nada dele só o só sumiço e pronto e feito, tava liberto, que vida de cativo é de dever de um tudo a patrão, é destino de nascença ninguém que de desfaz, mas de negócio de morrer de bala sendo achamegado à moda de viola é que é pior que tudo! Num faz isso não, menino, tu vai é morrer de tiro, que até pra derrubar calango tu erra fogo!
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                                   Ai morena bem cheirosa,
                                   Dos trejeito arredondado,
                                   Vai buscá água no rio,
                                    Pra banhá teu namorado!
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            O cabra pôs os trens pouco que possuía num amontoado na rede, assobiou pro Tigre, amontou no lombo da mula, nem tinha mulé nem nada que o segurasse, e se tivesse, arrumava jeito de fugir mais ela e os menino, e foi-se embora pra banda de lá, e né que procuraram e procuraram o cabra e nunca mais que acharam ele. Diz-que o coronel pegou ele de fugida e deu um jeito no moleque fujão, mas que nada!, se fosse de assim o teria mostrado a todo mundo e matava ele era de uma pisa de chicote pra fazer de lição pros home dele que pissuía, mas é nada!, ele tá por aí de pescar e de caçar, com a repetição novinha e as bala que o coronel deu pra ele abater homem! Deixar de caçar bicho, pra caçar homem? E isso nem não é negócio de gente, nada!
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            Deve é de tar com uma morena faceira, cantando com aquela voz de moreno asservegonhado, com ela nos colo dele adeitada pensando em fazer mais menino.
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                                   Ai morena que é o apreço
                                   Deste coração aperreado,
                                   Deixa chover hoje no mundo
                                   E me faz de namorado.

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