Quis
dizer que estava misérrima, lúgubre, paupérrima de elã e libido.
Mas como sem palavras? Dizer: “muito triste”, é condescendência,
o que é muito triste, o quanto é muito triste? Com o quê comparar,
com quem comparar: consigo mesma ontem, anteontem?; com a colega de
serviço e sofrimento?
“Infeliz”?
É o mesmo que dizer: “Viva”. Feliz é a busca nunca alcançada
da vida. É como que quisesse aparecer. Só diz que está infeliz
quem tem preguiça de continuar: “Vou acabar o casamento”, disse
o noivo, “estou infeliz”.
É
a desculpa vaga para quem se cansa de viver e não tem coragem moral
da alternativa. Infelicidade é respirar.
Para
comunicar são tão poucas as palavras necessárias que podemos
contar-lhes as sílabas e mal chegamos as centenas.
Mas
a expressão exige mais, muito mais, para encontrar a radicalidade
íntima da alma ou para analisar a complexidade intrínseca do universo.
Só as palavras, todas as que existem, ainda não bastam.
E
que fazer ela, que não tem nenhuma? Ou tão poucas quanto a
negatividade, incapaz de conjurar antônimos ou de enfatizar com
jogos sinonímicos?
Como
expressar esta dor, este sofrimento, como manipulá-lo em fonemas
pronunciáveis? O que pode fazer?, sofrem menos os que não podem
dizer a sua própria aflição, ou são obrigados a engoli-la por
completo porque não a transformam em consciência?
Então
estes sofreriam em exponencial? Sofrem porque vivem; sofrem porque
não podem ejacular, em palavras, o sofrimento; sofrem porque a
represa aperta e pesa; e sofrem porque não sabem que podem se
libertar do sofrer e continuam consigo sem jamais sublimá-lo.
Pois
a alma é a narrativa do que vivemos e o espírito é o comentário
que fazemos do que percebemos do mundo.
Ela
como que olha dentro de si mesma procurando se tem alma ou espírito,
mas como rememorar os detalhes de si, daquilo que tem de mais
profundo e secreto?; como compreender os mistérios da realidade,
entender os intrincados mecanismos empíricos?; quando não há
vocábulos corretos ou aproximativos que lhos revelem?
Qual
o tamanho de sua alma?
Qual
o alcance de seu espírito?
Se
toda a sua autoconsciência e a sua consciência do mundo, se todo o
seu Nada, não têm escopo, se o corpo do ser são só palavras?
Sem
palavras, como traduzir o seu infinito para o ínfimo do seu Eu?
Era
como tentar traduzir a divindade absoluta em termos humanos e mal
alcançar analogias biológicas.
Era
como acreditar que o ser supremo tivesse realmente mãos, barba e
pênis, porque era incapaz de configurar em palavras o absoluto, o
supremo, estes abstratos, e focalizasse sempre na imagem do
macho-pai, do macho-marido, sempre no “o”, no “o”, sem
entender realmente, porque suas palavras são poucas para realizar o
muito, que todas as palavras são poucas para contemplar o todo.
E
tão vasto era o seu dentro, tão grande e potente era sua paixão.
Mas,
para ela, paixão era o beijo cênico, o sexo mal filmado, de um
açucarado casal cissexual sem sal, representados por atores
canastrões em uma telenovela mal escrita, cujo enredo enfadonho e
maçante é o mesmo desde sempre, desde que ela era pequena e via
novelas na tevê com sua mãe, e sempre será, para amordaçar e
entorpecer a sua mente, numa emissora midiática manipuladora e
canalha que controla as finanças, a política, os interesses, os
corações desse subcontinente subdesenvolvido.
Por
isso não entende quanta paixão tem em si, quanta flama
resplandescente fulgura-lhe internamente, que lhe corrói como
pirose, que lhe angustia, que lhe é uma cintilação vicejante.
Nesse
sentido, quando a questão mais importante que um ente pode fazer a
um ser para que este encare a momentaneidade de sua realidade
objetiva e a totalidade de sua subjetividade afetiva; na hora mais
certa que este mesmo ser precisava encarar decisivamente a
problemática da sua existência; exatamente quando mais se precisava
de empatia, de compreensão alheia, de aproximação amorosa – pois
o momento oportuno é a única chance, a única sorte, o único
milagre que há no Universo material em que a entropia governa as
causas e efeitos –; tudo que ela pôde fazer foi contorcer um
sorriso mentiroso com o corpo todo, olhar com um olho o chão e com o
outro procurar esconder-se no céu, e responder tão somente:
–
“Eu vou indo”.
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