quarta-feira, 7 de agosto de 2019

DESASSOMBRADO - Parte 2


1: E em que ponto não possuir um corpo cria um impedimento legal em possuir uma casa?
2: Se a pergunta em si não fosse absurda o suficiente, sr. ad-vo-ga-do, apenas corpos podem possuir CPFs, portanto, apenas corpos podem assinar escrituras e serem juridicamente válidas. As relações legais são feitas entre corpos.
1: Mas o corpo do meu cliente encontra-se enterrado no cemitério…
2: Já basta, sr. advogado! Ao falecer, o CPF é cancelado!
1: O que não impede que meu cliente possa conseguir outro e, destarte, solicitar que a propriedade do imóvel seja transferido para o novo número do meu cliente!
2: Impede sim, sr. advogado, um fantasma não possui corpo, logo, não pode pleitear um cadastro de pessoa FÍ-SI-CA!
1: Data vênia, meritíssimo, e a Vale?
2: O que tem a Vale?
1: Ela é uma empresa, não possui pessoa física, porém, possui propriedades formalizadas pelo Estado!
2: As empresas são pessoas jurídicas.
1: O mesmo caso aplica-se ao meu cliente. Não é uma pessoa física, mas pode ser reconhecido, por este tribunal, como pessoa jurídica.
2: Se este juízo assim o reconhecer, abriria uma jurisprudência que este juízo não possui competência para criar. Outrossim, empresas devem possuir uma sede física, o que não é o caso de seu cliente.
1: Como não, meritíssimo, a própria casa do meu cliente é sua sede, isto é autoevidente.
2: Ainda assim, o que é “autoevidente”, sr. advogado, é que sem um corpo, o seu cliente não pode responder como pessoa jurídica também.
1: Pessoas jurídicas não possuem corpos, meritíssimo!
2: As pessoas jurídicas possuem proprietários físicos corporais ou são formados por um corpo de diretoria de associados anônimos que respondem pelos maus atos das suas empresas!
1: Como a Vale?
2. Como a Vale!
1: Mas, meu cliente pode responder como a consciência de uma pessoa jurídica! Uma espécie de meio termo!
2: Não existe, no Estado moderno, um meio termo entre ser jurídico e ser físico. A pessoa física é sempre proprietária de alguma coisa. Como o Estado poderia processar o seu cliente, sr. advogado, se ele não é uma pessoa física, portanto, não poderia responder por uma pessoa jurídica. Nós criaríamos uma entidade inimputável em que a força e monopólio da violência não a alcançaria, o Estado não pode responder por isso.
1: Ora, o Estado em si é um ente fictício! É uma sociedade contratualizada por leis e normas jurídicas, por procedimentos impessoais, sem um corpo físico que responda juridicamente por ela, pelo contrário, o Estado é a papelada; burocratas e políticos são os seus agentes e gerentes que se responsabilizam por parte do que podem ou não fazer. Mas, o Estado, ele é uma ficção, o Estado, v. ex., é um fantasma!


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