O texto abaixo, é uma das minhas narrativas em verso no formato de rimance - o termo "cordel" é impreciso e eu não gosto, os próprios poetas antigos do nordeste falavam "folheto", nunca cordel, pois cordel refere-se à corda em que se vendiam os "folhetos de cordel", que a mais das vezes eram vendidos em balaios -, esta é a primeira parte - no texto original não há divisão em partes, mas é muito grande para a publicação em blog na forma original -. ABRAÇOS
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Foi lá, na risca da faca,
Co'a poeira alevantada,
Que Zé Tonto e Tõe da Vaca
Se embolaram na matada.
Foi por que mesmo, meu Deus?
Ofensa de mãe? -> Perdão
Não se dá! <- Ou de um os seus
Bois no outro teve o ladrão?
Mas o que se contou lá,
Por aquela época, foi
Que não deixaram matar
Nem pela mãe nem por boi.
Era ordem do chefe-mor:
“Em guerra nunca se briga!”
E os cabras ficam de amor
Fingindo de gente amiga.
Aí nasceu o problema grande:
Podiam na faca justa
Ter limpado o ódio que brande
(Que se escondeu trás da escuta).
E lá, remoendo feio,
Falava Ele de maldades.
O ímpeto quando lhes veio
Era nas obscuridades.
E o ódio que fica encoberto
É muito mais traiçoeiro.
O seu tiro é bem mais certo,
O seu pesar mais certeiro.
E em moita e moita um já via
O outro escondido esperando
– Vida fechada de via –
O bote de cobra armando.
E andando de praia em praia
De cada rio nos caminhos
Sempre esperando a tocaia
Quando se viam sozinhos.
Foi nesses giros de louco
Que o judas do Tõe da Vaca
Resolveu fechar o corpo
Pra que a bala seja fraca.
E vendendo a alma pro Cão
(Três voltas na encruzilhada)
Achou que estava no são
E vencia esta parada.
Só podia lhe ofender
Lâmina feita de prata;
Bala que padre benzer,
Com cruz nela, é só o que o mata.
Foi quando os maus pensamentos
Vieram, ou deu por conta
Deles? Palavras quais ventos:
Furar na da faca ponta.
A bênção, meu São Tinhoso!
O ódio que é meu, é teu agora,
Faz de mim homem famoso
Por todo esse mundo afora.
Sei que o Senhor bem protege
Quem tem o Djabo engarrafado,
Faz ficar rico e se elege
Cabra por ti apadrinhado.
Deu o gole de cachaça
Pro Santo e se dirigiu
Co'os olhos de quem vê caça
Pronde sua mãe o pariu.
Terra de gente bem braba
Que não vive de ameaça,
Pegar o judas, o cabra,
Nem pela última que eu faça.
Meu sangue nos olhos, não
Me engano, é o São Cão em mim,
Me dizendo a via, o chão,
Que vou me dar no meu fim.
Se já no meu corpo o Demo
Se esconde e lá faz desgraça,
A morte eu já não mais temo,
Que vem qual coisa que passa.
Eu sou, pai Demo, fechado,
Eu sou todo protegido,
Meu corpo amaldiçoado
Conhece nenhum perigo.
É o desejo vil, maldoso,
Que me governa, meu Pai,
E maquino o perigoso
Pronde minhalma descai.
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