quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

domingo, 30 de novembro de 2014

ARGUMENTAÇÃO

cientificamente comprovado
                   =
           está na Bíblia

sábado, 29 de novembro de 2014

LABIRINTO DE CONCEITOS

Um gênio, 
Disfarçado de outro gênio,
Olha-se no espelho.

O espelho pergunta: 
"Quem não é o verdadeiro"?

O abismo vê o abismo
Quando olha o céu
Labirinto de conceitos infinitos
Aberto por todos os lados.

A Roberto Bolaños (vestido de "Vagabundo", de Chaplin), 30/11/2014

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

REALISMO MÁGICO

Passou 20 anos
Procurando ouro
No mesmo buraco

Até que achou

Passou mais 20 anos
No mesmo buraco
Buscando o que procurar

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Me espere

Meu amor
Me espere
Com
         Vestido
Sem
         Calcinha
Com
         Sorriso
Sem
          Vergonha
Que eu te quero
Que tu me te
                       nhas

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

AMOR É ÁGUA

O amor não é fogo
é água
desenrola-se sempre em líquidos
fluidos
           nossos
corpos
           misturando-se
profundos mistérios 
de se redescobrir-se
                   sempre
tanto

AMOR É ÁGUA

O amor não é fogo
é água
desenrola-se sempre em líquidos
fluidos
           nossos
corpos
           misturando-se
profundos mistérios 
de se redescobrir-se
                   sempre
tanto

OS SEGREDOS DE NÓS DOIS

Como um templo estranho
eu devassei o teu corpo,
Com sutis pensamentos
e atos brutos.

Como um riacho inteiro
teu corpo se desmancha
e me inundou
e eu naveguei.

Como dois pássaros
nós cantamos
nos gemidos certos
os segredos de nós dois.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

JUVENTUDE E A CULTURA ESCOLAR

       Estética é um termo proveniente do grego que significa “o que causa emoção”. O valor estético de um objeto é igual à sua capacidade de emocionar o receptor. Neste sentido, forma-se um tripé: autor-obra-público, sendo a obra o elemento central e intercomunicante entre os três fatores.
       Daí falarmos de função poética: “poieu”, em grego significa criar, poesia é criação, poeta é criador e poético é criatividade. O autor cria a obra, o receptor cria o seu entendimento da obra, a obra cria a emoção que deve unir tudo.
       O poeta, nas sociedades primitivas, tem, portanto, a função de inteligenciador da comunidade, isto é, ele faz com que o povo entenda a si mesmo, a sua função na sociedade, ao seu mundo, e a relação que estes têm entre si, a natureza e os deuses. Por isso a palavra em latim para poeta, “vate”, é a raiz de vaticínio: prever o destino de um indivíduo ou de um povo.
       O poeta, o artista, tem uma responsabilidade muito grande: o de fazer a sua comunidade olhar para si mesma e compreender-se; sem ele, a comunidade dissolve-se e perde-se, deixa de existir e passa a ser, tão somente, um aglomerado de pessoas, que não se comunica e não se ama.
       A adolescência marca, na maioria das sociedades, o momento de transição em que se é praticado o Rito de Iniciação. Após Iniciado, o jovem descobre o seu lugar na sociedade. No mundo ocidental em que vivemos, este rito está dissolvido e fragmentado em várias etapas, uma dessas etapas é a entrada no Ensino Médio. Nesta etapa, nós começamos a nos encaminhar no mundo e a nos posicionar como membro de uma comunidade. É quando começamos a olhar para o nosso mundo e às vezes descobrimos um sopro: a capacidade de olhar para as mesmas coisas que todos olham e ver algo diferente.
       “Pinte bem a tua aldeia e serás universal”, afirmou, certa vez, o grande escritor Leon Tolstoi. Assim reconhecemos aqueles que trazem a lasca do talento: o olhar dele nunca saiu da aldeia, por mais que sua voz ecoe pelo mundo. Mesmo quando o adolescente chora a dor adolescente: da inadequação, do procura do amor, da decepção do amor, da construção de sua percepção de pertencimento; há sempre a sensação que aquela dor não é só do autor, ele fala do seu grupo para o seu grupo.
        Cultura é aquilo que é cultivado, produzido na terra, o fruto de nosso trabalho. E o que é aquilo que uma escola produz? O que a escola cultiva? A cultura de uma escola são pessoas, cidadãos. Não se espera que de uma escola saia artistas: poetas, pintores, dançarinos e dançarinas, atores e atrizes, músicos, fotógrafos e fotógrafas. Não se espera que uma escola produza cientistas ou atletas de elite. Muito menos engenheiros, advogados, médicos. Apenas que produza gente que volte para a comunidade para construir a sua comunidade: um cidadão; seja como médico, como advogado, como engenheiro, como atleta, como cientista ou como artista.
        Tampouco se espera que um adolescente saiba o que quer com 15 ou 16 anos, ou que seus planos de futuro tenha qualquer aspecto de realismo. Mas espera-se que tenha planoS para o futuro. Quem cultiva este futuro no coração do jovem é justamente a escola. Espera-se que o jovem experimente, que busque alternativas para a sua alma, além da mentalidade bancária que se instalou na nossa educação. 
         Não se espera, finalmente, que um jovem de 16 anos seja um artista pronto, nem sequer que seja artista. Mas como este adolescente saberá o que ele é se não experimentar, se não tentar? O que será de sua comunidade se ele não tentar? Quem vai compreender a terra em que vive, o lugar de onde veio se não for ele mesmo? Se ele não construir, quem irá cultivar a auto-estima de sua escola, do seu bairro, de sua cidade, do seu povo?
         A escola abriu-se para a sua juventude, esperando colher o que tanto cultivou, se a juventude quis responder é irrelevante: a terra é fértil, as sementes lançadas, cada fruto tem o seu tempo. 
Se o jovem não se olhar, quem olhará para ele? Os velhos? E com quais olhos e donde vem este olhar? Será compreensivo ou será punitivo? Se o jovem não se entender, quem o entenderá?

QUANDO A SITUAÇÃO FICA PRETA

Quando a situação está ruim, ela está preta. Quando o cabelo é ruim, é porque ele é de preto. A lista das pessoas más? A lista negra. Qual é a cor da pele do teu amigo? Ele é moreninho. E do teu desafeto? Ele é tição.
Em torno de 60% da população nordestina é negra ou descendente de negros. Mas esta parcela da população não está representada nas cadeiras do curso de medicina, de direito, nas pós-graduações. Não é a porcentagem que vemos entre juízes, promotores, vereadores, generais, deputados, governadores, senadores, ministros. Presidente? Jamais.
Nas novelas da TV, salvo raríssimas exceções, gente preta é o empregado doméstico, o núcleo cômico. Protagonistas? Talvez uns cinco, menos de dez com certeza.
Onde se escondem os negros brasileiros?
Provavelmente, os negros brasileiros adoram ter empregos inferiores, não ocupar posições de mando, ganhar menos que os brancos pelas mesmas funções, ser sempre o feio, ser sempre motivo de piada, ser comparado com fezes, ser tratado e chamado de animal. A mulher negra ama ser estereotipo do objeto sexual do macho brasileiro, desde as redes dos sinhozinhos da Casa Grande, do mato do capataz até as “globelezas”, os “Sexo e as Negas”. 
E com certeza, quando um negro defende-se e devolve na mesma moeda – o que nunca é educado – uma expressão racista, tem que aguentar ser chamado de racista invertido: como se ter olho azul fosse feio por natureza, cabelo dourado e liso fosse motivo de piada: fuá, pixaim, cabelo duro.
        Não é a sua religião que é um antro de demônios.
Ter consciência negra não é particular do negro, nem uma reafirmação de humanidade, porque uns são mais gente do que outros, mas é tomar consciência de toda uma construção histórica e simbólica que escraviza e escravizou – hoje culturalmente, inferiorizando pelas estruturas de diferenciação –. 
         Falar que todos são iguais é uma violência, uns são mais iguais que outros. Falar que uma pessoa deva se fazer pelo próprio mérito é um absurdo num país em que um negro vindo de uma comunidade carente, descendente de séculos de empregadas domésticas e pedreiros, deva concorrer com um garoto branco filho de um juiz branco, de dez, doze gerações de doutores.
          Ter consciência negra é lembrar, é olhar, é pelejar pelo futuro. Porque, ainda hoje, a situação não está nada branca para quem tem melanina a mais do que o “normal” na pele.

QUANDO A SITUAÇÃO FICA PRETA

Quando a situação está ruim, ela está preta. Quando o cabelo é ruim, é porque ele é de preto. A lista das pessoas más? A lista negra. Qual é a cor da pele do teu amigo? Ele é moreninho. E do teu desafeto? Ele é tição.
Em torno de 60% da população nordestina é negra ou descendente de negros. Mas esta parcela da população não está representada nas cadeiras do curso de medicina, de direito, nas pós-graduações. Não é a porcentagem que vemos entre juízes, promotores, vereadores, generais, deputados, governadores, senadores, ministros. Presidente? Jamais.
Nas novelas da TV, salvo raríssimas exceções, gente preta é o empregado doméstico, o núcleo cômico. Protagonistas? Talvez uns cinco, menos de dez com certeza.
Onde se escondem os negros brasileiros?
Provavelmente, os negros brasileiros adoram ter empregos inferiores, não ocupar posições de mando, ganhar menos que os brancos pelas mesmas funções, ser sempre o feio, ser sempre motivo de piada, ser comparado com fezes, ser tratado e chamado de animal. A mulher negra ama ser estereotipo do objeto sexual do macho brasileiro, desde as redes dos sinhozinhos da Casa Grande, do mato do capataz até as “globelezas”, os “Sexo e as Negas”. 
E com certeza, quando um negro defende-se e devolve na mesma moeda – o que nunca é educado – uma expressão racista, tem que aguentar ser chamado de racista invertido: como se ter olho azul fosse feio por natureza, cabelo dourado e liso fosse motivo de piada: fuá, pixaim, cabelo duro.
        Não é a sua religião que é um antro de demônios.
Ter consciência negra não é particular do negro, nem uma reafirmação de humanidade, porque uns são mais gente do que outros, mas é tomar consciência de toda uma construção histórica e simbólica que escraviza e escravizou – hoje culturalmente, inferiorizando pelas estruturas de diferenciação –. 
         Falar que todos são iguais é uma violência, uns são mais iguais que outros. Falar que uma pessoa deva se fazer pelo próprio mérito é um absurdo num país em que um negro vindo de uma comunidade carente, descendente de séculos de empregadas domésticas e pedreiros, deva concorrer com um garoto branco filho de um juiz branco, de dez, doze gerações de doutores.
          Ter consciência negra é lembrar, é olhar, é pelejar pelo futuro. Porque, ainda hoje, a situação não está nada branca para quem tem melanina a mais do que o “normal” na pele.

domingo, 16 de novembro de 2014

HAIKAI EM HOMENAGEM A MÁRIO SIMÕES

Morte dói e passa
     Nos corações de quem fica
Lembrar vamos sempre.

A Mário Simões, 16/11/2014.

RECURSIVIDADE

                     Pirahã
                 Não precisa
                     Contar
Nem lembrar            Nem prever
                      Deus
Inventou-se              Para os infelizes
                     Pirahã
                 Não precisa 

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

ÓDIO REFLETIDO

Teu ódio tem em mim espelho
Reflete-se de volta
Em mesma proporção
Totalmente invertido
Teus olhos voltam-se para mim
Possessos de peçonhas
E é como se ferissem água
E nada causam além de tu mesmo
Visto e refletido.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

MELHOR DO QUE EU

Porque o solo onde nasceste
Não te faz melhor do que eu
Nem todos os diplomas que enfeitam
As paredes de meu barraco
Te fazem melhor do que eu
A brilhante cor do teu sangue
Não te faz melhor do que eu
Nem o peso do teu bolso,
Nem a barba de minha cara,
Nem com quem amo,
Te fazem melhor do que eu
Mas o ódio que professas por mim
Faz-me melhor do que poderias ser.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

SUMIÇO

Nós nem sentimos.
Foi assim abrupto e pronto.
Quando o pulso gama de um Quasar nos acertou, nós nem percebemos. Ou antes sim. Nosso avançadíssimo sistema de satélites percebera, alguns segundos antes: o sinal. Ninguém no mundo o soube. Eu sim. Eu o vi na tela pipocar e antes de entender a variação eu já não existia, tinha sumido junto ao planeta Terra. 

Você ainda sabe o que é isso?

Então deixe-me explicar o que foi a Terra: um pedaço minúsculo de rocha em que apenas alguns trilhões de seres orgânicos ainda respiravam.

Mas Deus fora bondoso conosco. Não foi uma extinção em massa como no caso dos Dinossauros, não, não: o iminente meteoro B-612, que estava em rota de possível colisão com a Terra, passou somente a alguns milhões de quilômetros ao nosso lado. Se ainda tivéssemos água em nosso planeta os maremotos teriam inundado apenas centenas de quilômetros de área costeira: um erro de mira tão pequeno!

Mas quem não errou foi o Quasar. Nós sumimos.

Quando, do violento entrechoque de poeira, gelo e gás, que ao girar em altíssima velocidade na borda da enorme singularidade que centra e organiza a existência de nossa galáxia, o monstro enorme que tudo devora, Caríbdis infinito, massivo, negro e faminto, vomita o excesso acelerado dos restos de milhões de estrelas que se somem e se movem de em dentro, na queda cíclica e eterna, desmoronando, monstro quengole tudo: a si mesmo: o nada negro onde tudo se cabe-se, nós sumimos, o-pra-sempre.

Eu o vi na tela pipocar e antes de entender a variação eu já não existia.

Entender ≠ Existir.  

Não houve explosão cataclísmica, nem dor, nem fome, nem frio! O Céu não escurecera ante bilhões de quilos de pó e sangue, ao contrário: nós brilhamos infinitos como uma estrela moribunda: supernova!!

Suprema desvinculação.

Quando o nosso satélite percebeu, já era tarde. Essa é a imensa e bela ironia das ondas eletromagnéticas: você só as vê quando elas chegam em você. 

A luz o atingiu, ele mandou o sinal e explodiu, o sinal pipoca na tela e eu não estou. 
Nada está.

Nós não fomos extintos, nós fomos aniquilados: desaparecemos: suprema bondade de Deus. 

Quando a onda eletromagnética nos atingiu o oxigênio instantaneamente comburiu-se. Alguns milésimos de segundos depois todos os comburentes atmosféricos explodiram. Isso foi cerca de três segundos antes de toda a água no planeta ferver.

Embora e fervura não tenha nenhuma relação direta com o ar e o Céu e o fogo, mas nós sim.
Nós sumimos. Fomos felizardos. E a raça humana, nós, mostramos nosso lugar no mais alto palco evolutivo.

Quando o oxigênio incendiou-se, todos aqueles que vivem rodeados por ele se foram juntos: não houve tempo nem para o mais ínfimo pensamento desconstruído: nós sumimos. Assim. Ponto 
Mas todas as nossas mais fortes construções: bunkers; muralhas; fortificações: resistiram.

Ficaram de pé heroicamente, até a explosão do hidrogênio, uma força tão exemplar, igualável apenas por algumas vezes a força de todas as bombas atômicas juntas – mas resistiram, de pé, heroicas: os monumentos finais da grandiosidade da espécie humana –.

Os únicos que sofreram foram os peixes e os demais seres marinhos. Eles sentiram uma dor trucidante por infinitos dois segundos antes de morrerem. Mas não sumiram como nós, seus corpos ficaram lá, boiando como prova de que viveram até que a explosão do nitrogênio desintegrasse toda a água.

As baleias cantaram em uníssono uma canção última e fúnebre. E por fim, compreendemos em palavra o real significado do sofrimento. 

A palavra: solução; final.

A palavra mais buscada por todos os poetas, a palavra certa e derradeira, o sentido completo, sem subterfúgios ou dicionários: o fim em si mesmo, a dor em si.

Mas não estávamos mais aqui para apreciar ou entender tal palavra. Sumimos.

Nós, não a Terra. Esse pedaço de rocha inútil e sem vida.

Sumimos.

Mas estamos aqui, caminhando por esta nova Terra – ou quiçá a mesma – estes protozoários novos, remanescentes da mesma e triste consciência radioativa. 

Esse pedaço vago e seco de rocha continua, no entanto, existindo, até que o nosso Sol, essa estrela fria e pequena que nos alimenta, decida nos pulverizar. 

E mais tarde, quando Andrômeda e a Via Láctea decidirem sua dança de acasalamento, interdevorando-se: imensos braços que se destroem, se desintegram; quando suas singularidades procurar-se-ão (dois amantes-distantes a se buscarem sempre-sempre), nesse novo pulsar de força imensa, e Júpiter com suas infindáveis tempestades cair pra dentro do centro radioativo da novíssima galáxia e Saturno for, irremediavelmente lançado para longe no vazio escuro e sem luz do Cosmo, onde não há nada: tempo 0! 

Nem mesmo isso sobrará, nem Sol, nem sistema, um nada, um vazio, e ainda assim, teríamos caminhado por sobre a Terra. Nossa sombra destroçada e perdida, calcinada, já se terá ido.

Mas isso levará tempo. Até lá, já teremos sumido.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

SONETO

Na vida sofrer é certa fortuna
Cada grão de si, cada amanhecer
É novo afã, é nova fina duna
          Onde prender o pé, lá se perder,
          Onde endoidecer, onde não chorar
          Onde se calar, nunca mais volver.
Mas é loucura pura reclamar
Como pássaro que canta por não
Voar, tal peixe que afoga no mar.
           Eu reconheço minha condição
           Humana; minha grande e vã vaidade:
           Ser peregrino dessa solidão.
A essência de viver, sua verdade,
É a busca eterna por Felicidade.

CAFÉ

Passa-me um café,
                          Faz favor,
Preto
                         Como olhos,
Forte 
                          Feito a fé,
Amargo 
                          Feito a vida,
Quente
                          Como o amor.

Para que eu possa
                              Nele
Mergulhar
Me erguer
                Me perder
                Me achar.

SONETO

Meu coração não sabe, não identifica
Que o que tanto deseja pode arrebentá-lo.
Pois o desejo é sopro que na fina e rica
           Membrana da alma bate em fortíssimo abalo,
           Em sucessivos danos, com constante empenho
           Até que estoure toda e fique como um ralo:
Neste vazio buraco escorre quanto tenho
De sonhos, de desejos, de fé por qual rogo
Encolhendo-me. Mas meu coração é lenho
           Que não se reduz face a qualquer fraco fogo;
           Meu coração, na dor martelado, esquivanças 
           Conhece, com artimanhas produz desafogo
Que a dor não compreende: cheio de mudanças,
Pois a alma é colcha de retalhos de esperanças.

sexta-feira, 25 de julho de 2014

A EPISCOPISA

Sarah Esther, de tanto ler livros abençoados sobre blindagem – de casamento à bolsa, da vagina ao cabelo –, decidiu abrir uma empresa de blindagem de automóveis.
Atendia de traficante a deputado e todos os níveis entre estas duas classes.
Sarah Esther, mulher virtuosa, pagava religiosamente o seu dízimo e, como manda a promessa, prosperou.
Mas Sarah Esther tinha um sonho secreto que no fundo do seu íntimo era uma opala ungida que iluminava a sua vida, refletindo, multicor, a Graça de Deus: desejava ser Bispa. Para tanto, na necessidade de realizar-se tão simples sonho, bastava que casasse com um Bispo.
O Bispo em questão era todo o afã.
Ora, como casar com um Bispo se todos são, por definição Pastores de grau elevado, e para ser Pastor é obrigatório o matrimônio, consequentemente o caminho fácil estava selado.
Mas o caminho para o Céu é a via das pedras. 
Eis a sua glória!
Com suas pretensões bem definidas, partiu Sarah Esther para a conquista. Como uma pessoa pia há de perceber, para uma mulher com todas as virtudes de Sarah Esther noivos e pretendentes não faltavam. Mas nenhum deles não interessavam a Sarah Esther, não cheiravam a Bispo, não emanavam a ungidura de Deus!
Então Sarah Esther, mulher de justo juízo, empreendeu a produção de um Bispo por sua própria conta.
Sábia e diligente, a futura Bispa começou a participar mais e observar melhor as aulas de Teologia da Igreja, onde jovens, por três anos, aprendiam dogmas, decoravam a Bíblia, conheciam as correntes teóricas das várias vertentes do Protesto: de Lutero a Calvino, e todos os níveis de pentecostalismo – do velho e do novo – existente.
Lá conheceu Messias Moisés! Que nome mais abençoado que esse? Era fraco em calvinismo mas uma máquina de citar versos! Dizia o Gênesis, o Êxodus, o Levítico, o Deuteronômio, Jó, os Salmos, os Provérbios, Eclesiastes, os Evangelhos de Mateus e Marcos, os Atos dos Apóstolos, as cartas de Paulo, o magnífico Paulo: aos Romanos, sobretudo aos Romanos, as duas cartas aos Coríntios, a segunda aos Tessalonicenses; e cerca de metade do Apocalipse; tudo isso como quem lê uma página invisível diante dos olhos. 
Era uma bênção!
Messias Moisés ainda orgulhava-se de seus fortes testemunhos: Deus curara-o do vício em crack e em sodomia.
Era o mesmo que achar!
Era dar-lhe um prédio e teria um templo cheio: estava ali tudo desenhado na sua frente, era seguir os passos certos e ungidos de todos os livros blindados que lera, ela, Sarah Esther, mulher de virtude, achara seu varão.
Um varão para chamar de seu: um Bispo.
Se não agora, era o projeto, era comprar na planta, pagar as mensais, a trimestrais e a récua ao pegar a chave do templo pronto.
Sarah Esther esforçou-se muito para seduzi-lo, se fosse outro bastaria olhar, mas este rapaz, este Messias Moisés entregara-se apenas a Deus, como seduzir alguém imune à tentação da carne?
Fez muitas promessas: de amor, de virtude, de futuro, de matrimônio feliz e de Bispado. Com o tempo e com os desenhos de seus sonhos, à vista do terreno onde ficaria a futura Catedral, as traves dos olhos de Messias Moisés caíram e estes resplandeceram em Graça! 
Deus agia!
O casamento foi feito.
Messias Moisés sagrou-se Pastor.
Sarah Esther, agora Pastora, fez aula de canto, lançou álbum de música e iniciou amizade com outras pastoras e bispas cantoras em shows.
Trocou de denominação aos mostrar seus planos às Bispas colegas. Uma prometeu-lhe o sonho conquistado.
Sarah Esther finalmente venceu.
Trouxe o banqueiro amigo seu, que de tanto blindar seus veículos, tornou-se próxima da sua esposa, para a nova Igreja. Conseguiu consigo vultuoso empréstimo e construiu.
O templo enorme, cheio de colunas e sóbrio, como uma gigantesca caixa, tão grande que Deus mesmo poderia deitar-se lá. 
E os vitrais! Ah! os vitrais ungidos. Um tão bem colocado, acima do terceiro balcão – onde ficaria o banqueiro e os demais dizimistas de primeira estirpe –, azul e branco que emitia, sobre o trono central – onde se sentaria o futuro Bispo (com a sua Bispa ao seu lado) – uma luminosidade de céu e nuvens, era como se o próprio Senhor sentasse lá.
Nada a ver comparar com igrejas ímpias projetados por ateus! Que absurdo!
E, como uma promessa de Deus, a Igreja prosperava.
A empresa de blindagem já não ia tão bem, quem se importa... agora ela era Bispa e os dízimos avultavam, e ela cantavam toda a noite, e os deputados e o banqueiro compareciam, e todas a aplaudiam e ela era satisfeita:
Sarah Ester, mulher de juízo justo, A Bispa!

E o Bispo? E Messias Moisés? Deprimido e cansado de ser segundo de sua esposa – pois ela prometera-lhe virtude e vivia no pecado da soberba, de querer estar à frente do marido – sentava-se na cadeira central, mas as luzes eram dela, sempre dela.
E o que um dia pensou Messias Moisés ao ter sido esquecido nas coxias do programa de TV em que Sarah Esther, aquela péssima cantora (quem não canta bem com quilos de eletrônica no microfone e playback?), foi apresentar-se?
E o que sentiu no dia em que a pregação de Sarah Esther, cheia de seu sonho de ser Bispa, cheia de sua vontade de prosperidade, da sua garra de vencer e sua vitória na empresa foi muito mais aplaudida que os livramentos que Deus deu-lhe!: Oh! El Shaday! Eita Glória! Amém-Aleluia! Jeová-Jiré!
Num dia, atazanado pelo Inimigo, vendeu a empresa, esvaziou a conta do Templo e fugiu com o banqueiro.

E Sarah Esther?
Diante da dura realidade, caminhou até o altar, olhou para o púlpito, sentou-se nO Trono. Sentindo toda a força do seu episcopado blindado, Sarah Esther foi afogada pela Luz de Javé, e gemeu e gozou no Seu Poder como nunca sentira com o homem.
Sarah Esther estava realizada!

sábado, 19 de julho de 2014

FATOR EFEITO-CAUSA

Mistério? Não há mistério algum.

Tudo não passa de uma concatenação infindável de causa e efeito. Nós só precisamos desvendar os incessantes aparecimentos daquilo que os céticos chamam de acaso e os crentes de providência divina.

A consciência desse fenômeno não anula o conhecimento do padrão reconhecível e rastreável de eventos. Pelo contrário, permite-nos desvendar as curvas em que se bifurcam os caminhos incontáveis do Universo.

Vejamos: alguém, ao despertar pela manhã, vê o Sol erguendo-se em radiante majestade e sorri.

Ora, o fato do Sol raiar, e consequentemente se pôr, é uma constante física conhecida, reconhecida e calculada devido a uma fina sintonia entre as gravidades dos corpos celestes. Pode-se dizer, a esta altura, que este ajuste perfeito é sinal dintervenção demiúrgica, mas o fato é que podemos traçar, desde esta apoteose solar, até o momento do nascimento do Universo: a explosão, expansão, desaceleração, esfriamento e, por conseguinte, o surgimento da matéria, das estrelas, de nós.

Uma série perfeita de causa-efeito que remontando ao nada dá-nos origem. E dessa sintaxe precisa e austera de substantivos e verbos, coisas e ações, matéria e movimento chegamos exatamente àquela manhã daquele Sol específico.

O sorriso alegra o dia do marido que vai trabalhar melhor com a vida.

De coração mais aberto, o marido faz amor de forma mais apaixonada e prazerosa com sua amante.

Movida pelas sensações e gozares daquela tarde morna e brilhante de amortórrido e trabalho seco, a amante briga com o esposo, talvez numa busca inconsciente de provocar a separação. O esposo, contrariado bate na amante. Esta chama a polícia. Sirenes, cães latindo, movimentação irritante na rua.

A discussão, que entra madrugada adentro irrita ao vizinho que, sem poder dormir direito, pela manhã seguinte àquele Sol maravilhoso, destrata o carteiro que lhe atrasou as cartas em alguns dias.

Irritado, pela noite, o carteiro bate no filho que anda muito mal em matemática, “Menino burro, aleserado”!

Pela manhã, segundo dia depois daquele belíssimo Sol, na escola o filho humilha um colega de classe que só tirava notas boas em matemática. Toda a escola ri do aluno, que não consegue mais suportar tanta destruição de sua alma, de seu caráter, de sua moral.

Ao passar a madrugada remoendo todos os dias de humilhação sofrida, o aluno mata-se ao raiar do terceiro dia, num amanhecer ainda mais glorioso do que a aurora doevento gerador, tira a própria vida: tão sangrento, tão horroroso!

Notemos, senhores, que na minha descrição objetiva e direta dos acontecimentos, o acaso interpôs-se três vezes: a sensação, completamente aleatória, que o Sol trouxe para o primeiro actante de nossa cadeia de eventos; o carteiro – poderia ser qualquer pessoa na face da Terra em que o vizinho derramaria sua tensão de noite mal dormida, mas nenhum outro carteiro, pois só aquele carteiro faz aquela rota, e, por artimanhas do “destino” decidiu pôr em ordem as correspondências vencidas; o suicida que ora vemos aqui o corpo ensanguentado que, “por sorte”, foi vítima do ódio e da frustração do filho do carteiro, porque naquele dia, justamente naquele dia, era prova bimestral de matemática.

É muito óbvio que na minha simplificação do sistema eu tenha me atido apenasaos momentos chaves que culminaram no desastre, excluindo, mas não esquecendo, das muitas horas destes dias que serviram para ampliar a carga emocional de cada pequena ação, que para muitos não seriam nada, mas para as vítimas, sobretudo para esta criança que destruiu a sua vida e os sonhos das pessoas que a amam – talvez uma perda ainda maior para estas: carregar a sensação do luto, da perda, pelos restos de anos que as suas vidas, severamente, reservam-lhes –. Para estes que participaram do efeito-causa ao qual me refiro (porque, como detetives, nosso processo é análogo, porém invertido ao da natureza), muitos são os dias, muitas são as sensações, muitos são os pesares que se somam a esta última dor decisiva: o marido apaixonado, feliz e infiel; a amante que há muito deseja acabar com o casamento deteriorado; o vizinho cujo travesseiro cruel lembra-lhe das contas em atraso e dos desvios que tem que fazer para pagá-las; o carteiro que ganha mal e trabalha muito, mas que se envergonha de sua irresponsabilidade laboral, desejoso de um bom futuro para o filho, filho este que se ressente pelo tratamento dispensado pelo pai e sente inveja do garoto que há de se matar; o suicida...

Ah, o suicida...

O suicida, que de tão bom filho, na profundeza de seu lar, de seu quarto a portas fechadas, esconde dos pais as dores e mazelas de sua alma, pais tão incompetentes incapazes de olhar no fundo do olho do filho e ver a sua dor, dor esta não vista, não detectada, não relatada pela escola: lar de tantas humilhações apenas.

Suicida que, por providência divina, é filho da primeira personagem deste enredo macabro...

Como podemos ver, o único culpado desta trágica sucessão inverossímil de causas que se encaminham a um inexorável desfecho é o Sol.

Sol que eu vi e admirei naquela manhã, três dias atrás, do Inferno da minha vida.

domingo, 29 de junho de 2014

domingo, 22 de junho de 2014

UM LUGAR VAZIO, ou cadê meu 10?

Vire e mexe: cadê o dez? Mexe e vira: onde está o homem da criação? A Seleção Brasileira vai mal: faltou quem pense o jogo!

Mas talvez o problema seja este mesmo: Qual é a nossa referência de 10? Pelé e Zico são os que me vêm mais rapidamente. Mas ao vê-los em vídeo não reconheço neles o que os ingleses, que por falta de nomenclatura exata para jogador deste tipo, chamam de função do número 10 (number 10 role).

Pelé sobretudo. É um atacante driblador e carregador de bola, que jogava mais dentro de área do que dando os passes para quem está entrando. Guardadas as devidas proporções, mais próximo de um Cristiano Ronaldo do que de um Xavi.

Quem tinha a função de criação nos três primeiros campeonatos mundiais eram Didi e Gérson, números 8, o que antigamente chamávamos de meia-armador. 

A Copa em que Pelé fez mais assistências do que gols foi a de 1970, justamente aquela cujo sistema tático era mais próximo do 4-2-3-1 moderno do que o 4-2-4 (ou 4-3-3) em que jogava no Santos e na Seleção durante os anos 50 e 60.

O mesmo pode se dizer de Zico em 1982: quem fazia a função de meia-central naquele 4-2-3-1 (4-2-2-2) era Sócrates, número 8.

Rivaldo em 2002 era muito mais atacante, funcionando melhor à borda da grande área; Ronaldo Assis e Kaká também têm esta característica de carregar a bola, driblar e finalizar, mas que, com a cabeça levantada e com a qualidade acima da média que possuem, podem achar um passe para um jogador mais bem colocado. 

O 10, portanto, tornou-se o símbolo do nosso futebol completo, total: alguém que dribla, finaliza de dentro da área ou arremata de média distância e, quando alguém se posicionar melhor, faz a assistência.

Nesse sentido, Neymar realmente cai bem nesta função, e é com ele pelo centro que a Seleção de Scolari apresentou os melhores repertórios.

Nós não temos um Özil, um Hazard, ou um Fábregas para convocar, jogadores que criem situações de gol e façam passes chave. O jogador mais próximo a esta característica que temos na seleção é Hernanes, um 8 clássico.

O que realmente sentimos falta é de um jogador que posicionado nos 3/4 do campo possa dar o passe final, algo mais ao estilo de um Zidane, um Platini, um Maradona.

A ausência tanto deste antigo armador que possuíamos e que não há mais, ou desse 10, também ficou acentuado pela troca do 4-3-3 pelo nosso 442 (4-2-2-2) que transformou o 8 em destruidor e na dupla de meias em carregadores de bola que tentam, desafortunadamente, ligar a defesa e o ataque, algo que não acontece no 442 argentino (4-3-1-2): um destruidor, um criador e dois carregadores de bola para auxiliar tanto o 10 quanto o 5.

Desta feita, talvez se torne no maior benefício do uso quase irrestrito do 4-2-3-1 no Brasil (ainda que mal executado), ou o retorno ao 4-3-3 (4-1-4-1 na fase defensiva), seja ensinar aos nossos jovens como jogar nesta posição de 10 e de 8, duas funções praticamente mortas no nosso futebol.

Mas a pergunta final é: há realmente um lugar vazio no nosso futebol para ser preenchido, ou é só choradeira que retorna quando o time vai mal e "ninguém" se importa quando vai bem? 


UM OLHAR DE JAGUAR, ou o que Messi viu?

O cronômetro marca 90'.

A bola vem a Messi, ele olha para a meta uma, duas, a bola chega, ele olha três. O que vou Messi?

A Pulga corta da direita para a esquerda, um toque na bola, dois toques, fica o marcador para trás, no terceiro a pelota voa, faz uma curva e mata o goleiro. Entre Messi e rede encastelam-se onze defensores. Todos estacionados como duas muralhas vermelhas.

Quatro companheiros marcados, onze defensores batidos num movimento insinuante. O que Messi viu?

Ele olhou os companheiros antecipando uma tentativa de passe penetrante? Ele olhou a posição dos defensores para tentar infiltrar na base do drible? Ele olhou o goleiro para ver se o local para onde sempre chuta (a parede destra da baliza) estava livre? Ou ele viu tudo isso ao mesmo tempo construindo um mapa mental e deixando o instinto resolver antes dos acontecimentos, na certeza de que conseguiria executar o impossível?

Mas a pergunta central é: por que agora? O que viu Messi DESTA VEZ que o levou ao lance supremo, magistral? Foi o desespero dos últimos segundos? 

Messi tivera, pelo menos, mais duas oportunidades como esta durante do jogo, de trazer da ponta pro centro, ficando perpendicular ao gol para bater de esquerda e refugou, tentou o passe, ora mais incisivo, ora lateral. 

O que viu desta vez que não vira das outras vezes? O que havia de diferente na sua frente para tentar o seu lance mais característico das outras chances que teve? Ou foi apenas o desespero que ativou a genialidade?

Ficam minhas dúvidas para os analistas de vídeo que um dia encontrarão (talvez não) as nuances que só os olhos de Messi puderam ver naquele quase segundo em que ele olhou três vezes, deu três toques e marcou seu terceiro gol em Copa do Mundo.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

LISTA DE POEMAS

Caríssimos alunos,

Eis aqui o link para baixar os textos que iremos usar durante o resto do ano letivo, correspondente a uma parcela do cânone literário luso-brasileiro.

Abraços, Prof. Ms. Thiago Ribeiro

sábado, 17 de maio de 2014

CABE

Qual o sinal da nossa vitória? Aurora
Dia chega talvez noite acabe
Não cabe
Rezar pelo que se sabe
Esperança uma velha senhora
Talvez dia chegue que noite acabe
Só cabe
Lutar até derradeira hora.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

AURORA E ARREBOL

Mesmo sem ter o que fazer, madrugou.

Sentou-se diante da janela e acendeu um cigarro, esperou pelo laranja.

Como o cabelo dela.

Com uma mecha azul.

Como o nascimento da manhã.

Aurorecer.

Como quando eram jovens, e a pele muito pálida e o batom muito ébano e a sombra muito negra e as unhas muito pretas e a sainha curtinha, malamal escondendo as pernas finas e esguias e magras, saia tão escura quanto à regata que como o cinto – grosso e grande e desnecessário, malamal equilibrando-se como um bambolê numa cintura inexistente de tão esbelta – estão todos cravejados de metais e brilhos prateados como um poema de Byron.

Os olhos cristais cor de âmbar.

Quando eram jovens.

Em algum lugar perderam-se.

Não foi o cabelo castanho comportado, ou o terninho burguês de profissão liberal, ou a falta do batom – só um brilhinho, só um brilhinho cheirando maçã –, ou as unhas vermelho dia-a-dia, ou a sombra azul sóbrio, ou a base compacta, ou a maletinha puxada a carrinho – maldito congresso, maldito! – à espera nas portas dos consultórios a fim de apresentar a mais nova novidade da medicina farmacológica do mundo corporativo em promessa de novas curas e rentabilidades, ou o anel de bacharel.

Não foi a não maternidade.

Ela acordou, esfregou o cabelo numa coceira inconsciente, levantou-se num peido e dirigiu-se ao banheiro donde sairá pronta para transformar-se na eficiência laboral das vendas e das químicas da saúde engarrafadas.

Ele olhou, lembrou-se que esquecera o café, o cigarro não chupado desperdiçado por entre os seus dedos, perdeu o mais belo do espetáculo solar em sua apoteose diária: o Sol acostumara-se a imitá-la ao despertar, agora malamal reconhecem-se quem já foram espelhos.

Alvorecer tardio.

Não foi o adultério perdoado.

Alguma coisa aconteceu que os impediu de serem o que seriam.

Ele nunca entenderia, tão distantes e tão símeis entre si quanto Aurora e Arrebol.

terça-feira, 1 de abril de 2014

IRMÃOS DA SECA

irmãos da seca
estio do estômago 
olhos crespos de pó

chão rachado de lama dura
água extinta

ossadas fracas infantis
as tetas flácidas como rochas
vertendo água benta pelos flancos

a penúria climática é dádiva do Céu
mas a fome que mata
é dádiva para o flagelado

segunda-feira, 24 de março de 2014

DESCOBERTA

A fim de descobrir a solução de todos os mistérios
Peregrinei ao cimo de todas as montanhas 
Por fim de todas as descobertas
Descobri que ainda hão os vales.

sexta-feira, 21 de março de 2014

VERDADE INCONTESTÁVEL

Pois meu falo ama-te
E esta é uma verdade mais incontestável
Do que as aventuras metafísicas
Do coração

quinta-feira, 13 de março de 2014

REALIDADE

                                 Olhe nos meus olhos
Minta pra minha alma
Faça minha mente
                                 Gozar pelo ouvido

domingo, 2 de março de 2014

TEMPLO DE PLUTO

No Templo de Pluto todos são bem-vindos
Mas se for Preto
Mas se for Pobre
Que venha fardado.

No Templo de Pluto prazer
O crente encontra 
Luzes ofuscantes nas vidraças
Nas aras ares perfumados 
Jogos, sabores, oferendas
Para o fiel dizimar.

No Templo de Pluto pode-se sempre entrar
                                                      E ofertar
                                                      E ofertar
                                                      E ofertar
Mas se for Preto
Mas se for Pobre
Que venha só
Que venha legitimado. 

domingo, 23 de fevereiro de 2014

INCOMUNICÁVEL

Tornei-me incomunicável
Não querem me ouvir
Porque não me compreendem.

Na solidão da voz que não transpassa
                             que não compartilha 
A si
Resmungo no meu não-mutismo 
O que todos enjeitam.

O silêncio é uma resposta triste
Pra quem não pode calar.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

SAL DA TERRA

Eis! Quebra estes grilhões, povo cativo
(Antes estar eu morto a escravo vivo!)
Chão atravessaremos, Sol e mar,
Porque apenas covarde à escravidão
Acostuma-se fácil e ao Cantar
Deste flagelo doce, deita “cão”
Que servo do Bom vem fiel a amar
E coleira transforma em doce mão.
Eis: assim ouvirão tal grito em guerra
Pois és em nome e força o Sal da Terra.

Eis! Quebra estes grilhões, ó povo altivo
Na força e na coragem tem ativo
O desejo contínuo de singrar
Deserto feito só de escuridão.
E destarte poder sus retomar
A Liberdade, doce galardão,
Motivo de morrer, também matar
Único e verdadeiro de perdão.
Eis: finda a noite que a manhã encerra
Pois és em nome e força o Sal da Terra.

Eis! Quebra estes grilhões, ó povo divo
Pois só na morte tem o último crivo
Quem não tem medo de só se livrar
Das garras dos fascistas, multidão
De homens engravatados em armar
Irmão, vil assassino doutro irmão.
E se olhares e nada se avistar
Mesmo sozinho és só a legião.
Eis: esquece este estigma em que te ferra
Pois és em nome e força o Sal da Terra.

2007

domingo, 2 de fevereiro de 2014

TÊNUE LUZ

Posso queimar 
Enquanto houver amanhã
Nem Sol é eterno 

         Sou meu próprio deus das trevas

Nem Cosmo é infinito
Enquanto houver amanhã
Posso queimar

         Sou meu próprio deus das trevas
Em mim busco meu horror
                                         Distendido por todos os cantos
                                                                               Canto o fogo em mim

Posso queimar de dentro destas trevas
Como a luz que nasce tênue e firme desta madrugada que passa

LA PIANÍSSIMA

Toco teu corpo
Foco
Todo
Tolo
       Suave
                 Sereníssimo
                                    Pianíssimo
O teu corpo
                   Como são suaves as harmonias dos teus ais em meus gestos

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014